Perdoa-me por me traíres

(*) Carlos Brickmann

Na época do controle de preços, o então presidente Médici foi informado de que sua equipe econômica iria tornar a carne mais cara. Suspendeu a decisão por alguns dias, vendeu seus poucos bois e só então liberou o aumento. Até ele, ditador com poderes absolutos, sabia que se apenas deixasse a carne subir, muitos pensariam que seu objetivo fosse lucrar com a decisão, o que afetaria a credibilidade do governo. O hoje ministro Paulo Guedes não aprendeu a lição: não se pode ficar dos dois lados do balcão. Não se discute sua seriedade, mas isso não se faz: qualquer medida do Governo afeta, para cima ou para baixo, os US$ 9,5 milhões que ele mantém no Exterior. É difícil convencer quem paga impostos escorchantes de que o ministro, ao tomar decisões, não se preocupe com o destino de seu dinheiro. É uma preocupação que ele tem – tanto que sua empresa off-shore é legal, constituída não para ocultar dinheiro, mas para poupar impostos e colocar seu patrimônio a salvo das flutuações da política econômica brasileira.

Mas não acredite que o Centrão, base do Governo Bolsonaro, esteja triste por essa mancada do antigo superministro. Nada disso: vai fingir que está indignado, pressionará o ministro, mas na verdade ficou feliz. O declínio de Paulo Guedes abre a chance de conseguir mais cargos e verbas. E, se isso for ruim para o prestígio de Bolsonaro, ótimo: o apoio do Centrão será ainda mais essencial para o presidente.

E, portanto, custará mais caro.

O tempo passa

Na campanha eleitoral que levou Juscelino Kubitschek à Presidência, a TV Tupi tinha um programa humorístico, O Hotel da Sucessão. O programa acompanhava as mudanças de posição dos candidatos aos diversos cargos e usava um bordão clássico: Entrou em ação um objeto misterioso. Maços de dinheiro trocavam de mãos e as opiniões mudavam magicamente.

Tempos ingênuos: hoje, o objeto misterioso continua funcionando, em malas, cuecas, até mesmo nos círculos mais íntimos da política, mas há também orçamentos ocultos, estatais, cargos, rachadinhas, viagens inúteis ao Exterior com boas diárias, bebidas premiadas, picanhas de R$ 1.700,00 o quilo, vinhos cheios de medalhas. A política se sofisticou, a ponto de levar os apoiadores de uma facção a festejar seus erros. Quem disse que é só acertando que se ganha?

Frito é melhor

É por isso que a convocação de Guedes para depor na Câmara, por 310 votos a 142, não deve ser encarada como prenúncio da queda do ministro. Se ele cair, talvez seja substituído por alguém mais firme. OK, Guedes diz que leu Keynes três vezes no original, o que indica apenas que ele sabe falar bem o inglês do Reino Unido. Mas enfrentar as feras do Congresso, especialistas em caçar as melhores e mais nutritivas presas de Brasília, é outra coisa. Para os profissionais, Guedes é um ministro nutella, que em comum com Posto Ipiranga só tem a loja de conveniência.

Engoliu todas as exigências, fossem do Centrão ou de Bolsonaro, aceitou todos os jabutis que foram pendurados em emendas e, ao contrário de Moro, não reagiu. A única vez em que ficou irritado de verdade foi no início da pandemia, quando o hotel em que morava, em Brasília, parou de servir suco de laranja. Aí foi para sua casa no Rio e só voltou a Brasília quando lhe prometeram o suquinho espremido na hora.

Vai subindo…

A Petrobras aumentou de novo o gás de cozinha: agora o botijão sai da refinaria a R$ 50,15. Aí entram os impostos, os custos, a distribuição, o lucro da distribuidora, as despesas e o lucro das lojas, e quem não puder pagar que cozinhe com lenha. A gasolina também sobe, no mesmo percentual: 7,2%. O diesel, que subiu na semana passada, continua com o mesmo preço. Mas, como já subiu, contribui para elevar o custo do transporte do gás.

Agora só falta a propaganda do Governo anunciar que comida crua é que faz bem.

…e subindo

O presidente Bolsonaro já se previne: diz que no ano que vem haverá mais problemas na produção de alimentos, já que os fertilizantes (importados, na maior parte da China) estarão em falta no mundo. Anunciando altas que talvez ocorram no ano que vem, a consequência é que as altas começarão mais cedo, todos se prevenindo contra problemas futuros. Não seria o caso de, imediatamente, iniciar a pesquisa de novos fornecedores? Quando os chineses faziam pouco comércio, de onde vinham os fertilizantes? Desapareceu a rocha fosfática que o Brasil comprava de países africanos?

Calma (por enquanto)

Não se assuste com a notícia de que submarinos nucleares americanos estão circulando perto da China. Estão mesmo, e faz tempo. Também os voos de aviões de combate chineses até as proximidades de Taiwan são apenas de teste (por enquanto). Pode ocorrer um incidente; mas confronto, mesmo, só depois de os chineses se sentirem seguros para tentar a conquista de Taiwan.

É coisa para mais alguns anos, se não houver negociações até lá.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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