Sob muita polêmica e resistência de parte da sociedade, a Câmara de vereadores de uma pequena cidade no norte da Itália decidiu nesta segunda-feira (25) conceder o título de cidadão honorário ao presidente Jair Bolsonaro.
Foram nove votos a favor, três contra e uma abstenção. Durante a votação, protestos contra a homenagem ocorreram do lado de fora do Parlamento local. Uma petição online com mais de 2.600 assinaturas reivindicava que a honraria não seja concedida.
Políticos locais, ativistas e até grupos religiosos eram contra a homenagem, em um momento em que o líder brasileiro é acusado de crimes contra a humanidade e outros delitos pela CPI da Covid no Senado.
A ideia de conceder o título a Bolsonaro partiu da prefeita de Anguillara Veneta, Alessandra Buoso, do partido ultradireitista Liga, o mesmo de Matteo Salvini.
O pequeno município de apenas 4 mil habitantes fica localizado na região do Vêneto. A 80 quilômetros de Veneza, a cidade é terra natal de um bisavô de Bolsonaro.
Bolsonaro viajará à Itália para participar da Cúpula do G20, em Roma, nos dias 30 e 31 de outubro, acompanhado dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e das Relações Exteriores, Carlos França. Ele deve estar em Anguillara Veneta no dia 1º de novembro. Além do título de cidadão honorário, o presidente também deve visitar o cartório local, onde estão os registros de seus antepassados.
Prefeita diz que homenagem não é política
Buoso defendeu que a homenagem não tem motivação política. “Pensei nas pessoas do meu país que migraram para o Brasil e construíram uma vida até chegar à Presidência, levando o nome de Anguillara Veneta para o mundo”, disse a prefeita em entrevista à agência de notícias italiana Ansa na semana passada.
Questionada sobre os crimes imputados a Bolsonaro pela CPI da Covid, a política italiana justificou que não estava ciente das acusações. O relatório final da comissão no Senado brasileiro foi apresentado na quarta-feira passada, mesmo dia em que Buoso assinou a proposta.
A opinião de Buoso é endossada por Luciano Sandonà, do Conselho Regional do Vêneto. ”O título de cidadão honorário é um gesto para enfatizar as origens venezianas de um presidente e muitos descendentes de migrantes, não para expressar julgamentos sobre seu trabalho”, disse, segundo o portal de notícias italiano Telenuevo.
Reação da classe política local
A homenagem provocou indignação em parte da classe política local. A parlamentar Vanessa Camani, integrante da assembleia legislativa regional do Vêneto, lançou uma campanha nas redes sociais contra o título de cidadão a Bolsonaro.
“Não à cidadania a um racista, misógino e negacionista”, afirma ela, que é membro da direção nacional do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda.
“Faz arrepiar a proposta da prefeita de Anguillara Veneta de conferir a cidadania honorária a Bolsonaro, conhecido pelos elogios à ditadura militar, pelo desprezo e ofensas a mulheres e homossexuais, pelas ameaças de prisão aos adversários políticos, ou pelas grotescas acusações contra ONGs pelos incêndios que devastaram a Amazônia”, escreveu a deputada no Facebook na semana passada.
Na postagem, Camani também condena a “obscena gestão da emergência da Covid-19, que colocou Bolsonaro entre os protagonistas do negacionismo mundial”. “Por favor, nos explique, prefeita de Anguillara, por qual desses motivos Bolsonaro merece ser cidadão honorário?”, ironiza.
O secretário regional do Partido Democrático, Alessandro Bisato, também se pronunciou sobre a proposta da prefeitura. “Tal como aquele soldado japonês na ilha do Pacífico, sem saber do fim das hostilidades, a administração do município na área de Pádua não entende o declínio do populismo”, declarou o político, citado pelo jornal “Il Fatto Quotidiano”.
“Pior, pressiona pelo reconhecimento público de um político alérgico à democracia e aos direitos civis, um negacionista da Covid-19 e antivacina. Graças à política de Bolsonaro, os brasileiros hoje estão mais pobres, menos seguros e nas garras da Covid”, concluiu.
Religiosos e ativistas também condenam
A homenagem à nomeação também foi alvo de críticas de grupos religiosos e ativistas antibolsonaristas na Itália. Em carta à prefeita de Anguillara Veneta, padres missionários italianos baseados no Brasil se dizem “ofendidos, entristecidos e desconcertados”.
“Como cidadãos italianos que trabalham no Brasil há anos a serviço do povo brasileiro e da Igreja Católica brasileira (somos missionários, religiosos e ‘Fidei Donum’), nos sentimos profundamente entristecidos e desconcertados. Nós nos perguntamos sobre quais méritos? Como um homem que durante anos, e continuamente, desonra seu país pode receber honra na Itália?”, destaca o texto, citado pelo portal de notícias UOL.
“Jair Bolsonaro é um presidente que está massacrando a vida do povo, especialmente dos mais pobres; ele criou uma política anti-Covid (e ainda continua a fazê-lo) que produziu milhares de mortes, promove a destruição e vende as terras da Amazônia. Como pode um presidente que colabora com a destruição da Floresta Amazônica receber honras em uma nação que luta pela preservação do planeta?”, continua a carta.
Os padres seguem pedindo, então, que a cidade italiana não conceda o título. “Estamos profundamente ofendidos e exigimos a revogação desta honra. Não a Bolsonaro e sua política violenta e genocida!” (Com Deutsche Welle e agências internacionais)
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