(*) Carlos Brickmann
O rótulo de “liberal” tem vários sentidos. Em economia, indica os que preferem deixar a economia funcionar com o mínimo de interferência estatal. Nos Estados Unidos, o liberal está à esquerda do centro, mas sem chegar à social-democracia. Na Europa, o liberal está à direita do centro, mas sem chegar ao conservadorismo. No Brasil, liberal é o Valdemar Costa Neto.
Valdemar, por apelido Boy, é o presidente do Partido Liberal. Fez parte do Governo de Lula e do Governo de Bolsonaro, em ambos os casos tendo cargos ocupados por gente sua. É coerente: está sempre com o Governo, e não tem culpa de que o Governo mude. Centrão desde criancinha, crê na Oração de São Francisco (“é dando que se recebe”). A oração continua com “é perdoando que se é perdoado”, mas isso ele não conseguiu, ao menos no front doméstico: sua ex-mulher, Christina Mendes Caldeira, o descreve com palavras duras e histórias terríveis (e, previdente, foi morar fora do Brasil).
Os bolsonaristas da “ala ideológica”, seguidores de Olavo de Carvalho, não gostam dele – ou melhor, não gostavam. Tão logo Bolsonaro disse que tem 99% de chance de se filiar ao partido de Valdemar, o filho 02, Carluxo, tirou do ar um tweet que havia postado há tempos, contando que um delator havia revelado uma propina de 3,5% para Valdemar nos contratos de Furnas. E o próprio Bolsonaro disse que só poderia filiar-se a um partido do Centrão. Não iria, por exemplo, para o PSOL. Talvez tenha surpresas no futuro.
O general-cantor
Bolsonaro faz de conta que esqueceu do general Augusto Heleno, a seu lado, cantando “Se gritar pega Centrão/Não fica um, meu irmão”. Mas deve ter esquecido de verdade de uma frase que disse, “quero um partido para chamar de meu”, e dos problemas que teve com o PSL de Luciano Bivar. Bivar entregou-lhe a chefia de um partido nanico na campanha eleitoral, e o retomou tão logo viu que o PSL tinha virado um dos maiores partidos do país e, com grandes bancadas, teria acesso a algumas centenas de milhões de reais de verbas públicas.
Bolsonaro serviu para levar votos ao partido, mas cuidar dos recursos era, para Bivar, uma tarefa intransferível. Bolsonaro, sem ter as verbas, preferiu sair do PFL. Quanto a ter um partido para chamar de seu, Bolsonaro vai descobrir em breve que o que é de Valdemar ninguém toma. O Boy é adepto de citações bíblicas e aprecia muito o “venham a mim”.
O adversário
Mas o principal adversário de Bolsonaro nas próximas eleições, segundo as pesquisas de agora, não é muito diferente. Também teve o total apoio de Valdemar Costa Neto. Aliás, lembra-se de um acidente aéreo, no qual um jatinho saiu da pista de Congonhas e por pouco não acertou um pipoqueiro na calçada? Pois é: o jatinho trazia Valdemar e sua então esposa, que tinham ido a uma festança em Goiás para festejar o aniversário de Delúbio Soares, o tesoureiro nacional do PT, coordenador das campanhas de Lula.
Agora há o caso das eleições na Nicarágua: Daniel Ortega se elegeu sem oposição, já que mandou prender seus sete adversários. Pois não é que o PT de Lula mandou-lhe uma carta de saudações e apoio? Nem vergonha de divulgar sua alegria com uma vitória dessas tiveram!
Não esqueçamos que Lula já disse que a Venezuela de Chaves e Maduro “tem democracia até demais”. Pois é.
O Legislativo
A epidemia de pouca vergonha não se limita ao Poder Executivo. A saga do orçamento paralelo, uma pouca vergonha barrada por decisão de Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal, é um belo exemplo. Emendas parlamentares são verbas previstas no orçamento para que os parlamentares indiquem obras ou serviços em saúde e educação. Já são contestadas na origem: transformam o deputado ou senador num vereador federal, que cuida apenas de sua base eleitoral. Mas são transparentes: o deputado Fulano de Tal destinou sua verba a uma determinada instituição.
O orçamento secreto é parecido – só que o parlamentar que indicou o destino da verba não tem o nome divulgado. É ótimo para que o Governo negocie apoios sem barulho. É ótimo, também, para que a população não saiba quem é o responsável por obras desnecessárias. E, melhor ainda, como não há verbas no Orçamento para esse tipo de coisa, na prática não há limites, seja qual for o custo. O fato é que há muitos anos não havia tamanha mobilização de caciques para manter um dispositivo na legislação. O STF tem maioria para vetar de uma vez a pouca vergonha. E vai obrigar o pessoal envolvido, tadinho, a burlar a lei de outras formas, para garantir um reforço na campanha eleitoral.
O que funciona
Diferenças e semelhanças entre o lobby e o advocacy e o papel de cada um deles para o fortalecimento da democracia. Estes são alguns dos aspectos a ser discutidos amanhã, quinta-feira, no webinar do ITCN “O Papel das Associações em Relações Governamentais”, que terá como convidada a professora da FGV Andrea Gozetto. Pode ser vista no YouTube do ITCN.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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