O terrivelmente evangélico e a noivinha do Aristides

(*) Ucho Haddad

Durante sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), André Mendonça conseguiu embromar a maioria dos parlamentares, afirmando respeito à Constituição, à democracia, à laicidade e ao Estado de Direito. Esse falso leguleio era esperado pelos brasileiros sempre atentos às bizarrices do poder.

Quem ainda se recorda das decisões de Mendonça como advogado-geral da União e ministro da Justiça sabe que a CCJ foi palco de monumental espetáculo de mitomania, confirmado logo após ter o nome referendado pelo plenário do Senado.

Ao responder a questionamento de senadores sobre o uso político da Lei de Segurança Nacional, entulho autoritário da ditadura militar revogado pelo Congresso, André Mendonça negou intimidação ou perseguição a jornalistas críticos ao governo e a adversários do presidente da República. Disse Mendonça que agiu “em estrita obediência ao dever legal”.

O novo ministro do STF alegou que o artigo 26 da extinta Lei de Segurança Nacional definia como crime “caluniar ou difamar o presidente da República imputando-lhe fato definido como crime ou ofensivo à reputação”.

“Assim, sentindo-se o presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual da pessoa, por si própria, sentir-se subjetivamente ofendido em sua honra, devia o ministro da justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso sob a pena de não o fazendo incidir em crime de prevaricação”, Mendonça.

Nesse exato ponto da sabatina de André Mendonça entrou em cena a “noivinha do Aristides”, assunto que “bombou” nas redes sociais na última segunda-feira, 29 de novembro, depois que Jair Bolsonaro ordenou, no domingo, a prisão de uma mulher que passava pela Rodovia Dutra e teria ofendido o presidente, que do acostamento acenava para os motoristas. Ou seja, populismo barato de ditador de república bananeira.

Bolsonaro estava na cidade de Resende (RJ), onde um dia antes havia participado da formatura de cadetes da Academia Militar de Agulhas Negras (Aman). A mulher, cujo nome não foi revelado, prestou depoimento à Polícia Federal em local distante 50 quilômetros de onde teria ocorrido a ofensa. Liberada pela PF, a mulher comprometeu-se a comparecer em juízo, mas negou que tenha chamado Bolsonaro de “noivinha do Aristides”, mas, sim, de “filho da puta”.

O termo “noivinha do Aristides”, citado pelo ex-ministro Jarbas Passarinho, em 2011, é o apelido que Bolsonaro teria recebido enquanto militar da ativa do Exército. O sargento Aristides foi instrutor de judô na Aman e, segundo Passarinho, ouvia as mágoas de Bolsonaro nas noites quentes de verão.

Como citei acima, a mulher acusada de ter ofendido Bolsonaro nega ter gritado “noivinha do Aristides” quando o carro em que estava passou ao lado da comitiva presidencial. Bolsonaro, sabe boa parte dos brasileiros, sofre de masculinidade frágil, o que o leva a gazetear sua aludida virilidade de maneira recorrente. Em outras palavras, sua insistência em provar algo gera dúvidas a respeito do assunto.

Considerando que cabe ao ministro da Justiça acionar a Polícia Federal para apurar crime contra a honra do presidente da República, como disse o “terrivelmente evangélico”, a prisão da mulher que teria ofendido Bolsonaro foi um ato totalitarista.

Recentemente, em evento no Palácio do Planalto, o presidente fez piada de cunho sexual envolvendo a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. “Eu já dei um bom dia muito especial para ela hoje. Acredite se quiser”, disse Bolsonaro.

Em 24 de novembro, durante solenidade do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, Bolsonaro voltou a exibir sua essência chula, capaz de envergonhar até mesmo as despudoradas da casa de alterne mais próxima. “Outro dia eu falei, né, que é um self service que tem uns oito produtos estragados. Levei uma reprimenda do presidente da Associação de Bares e Restaurantes. Poxa, tem que pedir palavra para tudo? Eu me amarro em comer num pé-sujo. Quanto mais gordurosa a comida, para mim, melhor. E, como militar…Não é ‘como militar’. E como militar, eu só não como o que não tem. Como qualquer negócio… Meu estômago está sempre roncando. Deixar bem claro. Já vi que vou dormir na casa do cachorro hoje, né”, disse entre risos, na presença da primeira-dama.

Dois dias antes (22/11), Bolsonaro comparou seus possíveis adversários na corrida presidencial a “produtos tóxicos”. Sem citar nomes, ele afirmou: “O que eu vejo nas eleições é que é um self-service. Tem uns 10 produtos na mesa. Tem uns oito tóxicos, né? Tem uns oito estragados”.

Ao participar de programa da TV Câmara, em 2010, Bolsonaro não demorou muito para externar sua conhecida essência homofóbica. “O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um couro, ele muda o comportamento dele. Tá certo?”, declarou o então deputado federal.

No ano seguinte (2011), em entrevista à revista Playboy, Bolsonaro retomou o discurso homofóbico ao dizer que seria incapaz de amar um filho homossexual. “Para mim é a morte. Digo mais: prefiro que morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo”, declarou.

Não contente com o desvario, Bolsonaro avançou sem cerimônia no campo da homofobia ao afirmar que ter um casal gay como vizinho desvaloriza imóveis. “Sim, desvaloriza! Se eles andarem de mão dada, derem beijinho, vai desvalorizar”, declarou. “Não sou obrigado a gostar de ninguém. Tenho que respeitar, mas, gostar, eu não gosto”, emendou.

Em 2018, ao ser questionado por jornalistas sobre o recebimento de “auxílio-moradia” pago pela Câmara dos Deputados, já que era dono de imóvel em Brasília, Bolsonaro respondeu que usava o dinheiro para “comer gente”. “Como eu estava solteiro naquela época, esse dinheiro de auxílio-moradia eu usava para comer gente. Tá satisfeita agora ou não?”, respondeu.

No episódio ocorrido na Via Dutra, Bolsonaro parece não ter se importado com o fato de ser chamado de “filho da puta”, mas se incomodou com o termo “noivinha do Aristides”. Confesso ser contra ofensas de qualquer matiz, até porque oposição a políticos faz-se com o cérebro, não com o fígado, mas o descontrole do presidente abre caminho para a maledicência.

Como sempre afirmo em meus escritos, a Psicologia trata a projeção como mecanismo de defesa no qual os atributos indesejados de determinada pessoa são transferidos a terceiros, muitas vezes transformados em ponto de partida de agressões verbais torpes e genéricas. E Bolsonaro já provou ser especialista no assunto, seja na projeção, seja no campo das ofensas.

Bolsonaro, está evidente, é repulsivo diante da homossexualidade. Talvez seja o caso de encontrar um chaveiro eficaz. Vai, “noivinha do Aristides”, vai ser feliz!

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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