A necessidade de mudança não pode ser refém da chegada do Ano Novo

 
(*) Waldir Maranhão

Mais um ano chega ao seu final. Um novo recomeço desponta no horizonte. Mesmo assim, é preciso ter esperança em dias melhores, sem fechar os olhos para a dura realidade que marca o apagar das luzes de 2021.

Exatamente onde a frota do navegador português Pedro Álvares Cabral aportou, no sul da Bahia, em 1500, revelando ao mundo a terra que à época era conhecida como Pindorama, hoje Brasil, a tão castigada natureza deu sua resposta às seguidas afrontas.

Chuvas torrenciais provocaram inundações, ceifaram vidas, destruíram sonhos, aniquilaram esforços individuais de anos a fio. Tudo foi perdido. A nossa obrigação como povo é cobrar o que nos é devido por um Estado cada vez mais ausente e omisso.

Não podemos normalizar um escárnio que se faz presente ano após ano, aqui e acolá. Não podemos transferir à mudança do calendário a responsabilidade por dias melhores. É preciso agir como povo, é preciso agir como nação. O futuro é hoje.

Os pandêmicos dois últimos anos impulsionaram uma crise múltipla que há muito já preocupava, mas que não teve do Estado a atenção merecida. Autoridades flanam no céu da teoria, enquanto o brasileiro caminha sobra as pedras da dura realidade.

No poema “O que há em mim é sobretudo cansaço…”, Álvaro de Campos – heterônimo do genial Fernando Pessoa – escreve: “Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada”.

Como homem público e do povo não me cabe desejar o impossível, nem querer nada, pelo contrário. Não quero tudo da noite para o dia, mas é preciso iniciar a mudança. É urgente agir para que os direitos básicos de cada brasileiro sejam respeitados, principalmente pelos governantes, que usam o discurso fácil como cortina de fumaça para a contínua violação da dignidade humana.

Nossos irmãos da Bahia, duramente atingidos pelos efeitos das chuvas, foram colocados sob o guarda-chuva das disputas políticas e ideológicas, como se essa rinha de insanos tivesse lugar no palco da tragédia.

Como escrevi acima, iniciar a mudança é mandatório, pois compactuar com o caos representa omitir-se em relação ao próximo. Ao contrário do atual chefe do governo, que usa ministros como muro de arrimo, o ex-presidente Lula se manifestou sobre o rastro de destruição deixado pelas chuvas na Bahia.

Nessa época do ano, quando todos apostam em dias melhores, o brasileiro mostra mais vez sua essência solidária, ao passo que o Estado tenta esquivar-se das próprias responsabilidades. Sempre usando cifras e números estatísticos como escudo.

Uma tragédia como a que atingiu a Bahia e ruma na direção do Sudeste não pode ser tratada com a burra burocracia oficial. Nada repõe uma vida perdida. Vimos o descaso do governo em relação às vítimas da pandemia, comportamento que ora se repete no vácuo das impiedosas manifestações da natureza.

Insisto na necessidade de mudança, pois aceitar a mesmice como padrão de existência é inconcebível. Na canção “É”, o eterno Gonzaguinha foi certeiro ao contar: “A gente quer viver pleno direito / A gente quer viver todo respeito / A gente quer viver uma nação / A gente quer é ser um cidadão”.

Este desabafo não é sinal de esmorecimento, de jogar a toalha, pelo contrário, mas de indignação, de desejo de ir à luta em nome de cada brasileiro. Espero que o novo ano nos permita iniciar uma mudança pra valer.

Hoje, relendo o gaúcho Mario Quintana, deparei-me com “Nada jamais continua, tudo vai recomeçar!”. A todos os brasileiros desejo paz, saúde e fé em 2022.

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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