A educação no Brasil precisa ser resgatada da desigualdade e do descaso oficial

 
(*) Waldir Maranhão

Qualquer nação comprometida com o futuro dos seus cidadãos assume compromisso inalienável de investir na educação, não importando a necessária alternância do poder e o vai e vem de ideologias.

Não é de hoje que defendo a educação como ferramenta de transformação da sociedade. Em se tratando de Brasil, essa defesa torna-se ainda maior porque o caos social com o qual nos deparamos impõe a qualquer governante um olhar especial e contínuo na direção do ensino.

O que já era ruim, muito ruim, ficou pior durante a pandemia do coronavírus, que tirou das escolas os alunos de famílias pobres e desassistidas. O discurso fácil do ensino remoto ou ensino à distância serviu para camuflar uma tragédia anunciada.

Enquanto alunos da rede privada conseguiram participar de aulas remotas, valendo-se da tecnologia e de equipamentos de última geração, os mais pobres, frequentadores das escolas públicas, viram-se abandonados por um sistema sabidamente cruel.

Enquanto a pandemia impôs o isolamento social e o fechamento de muitos estabelecimentos, inclusive os de ensino, o que se viu foi uma migração de alunos de escolas públicas para os selins de bicicletas de entregadores de comida e outras encomendas. Só assim foi possível garantir a sobrevivência familiar, mesmo que o preço dessa troca tenha sido um impressionante recuo no aprendizado.

Dados de um estudo do “Todos pela Educação”, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do IBGE, revelam que desde 2012 o Brasil atingiu o maior índice de crianças de 6 e 7 anos não alfabetizadas, ou seja, que não sabem ler e escrever.

Em 2021, 40,8% dos jovens dessa faixa etária não haviam sido alfabetizados, o que equivale a 2,4 milhões de crianças que sequer leem ou escrevem. Além disso, estivessem alfabetizadas, não saberiam interpretar um texto dos mais simples.

Em 2012, 28,2% da população dessa idade não estava alfabetizada, ou seja, 1,7 milhão de crianças, que, nessa condição, não podem sonhar com o futuro.

Tal cenário configura um brutal atentado à cidadania. Ouso ir além para afirmar que se trata de um atentado à democracia, que só alcança sua plenitude quando os cidadãos são tratados de forma isonômica, quando as oportunidades são disponibilizadas a todos, sem distinção de qualquer natureza.

Por lei, as crianças têm garantido o direito de aprender a ler e a escrever até o fim do 2º ano do ensino fundamental, ou seja, aos 7 anos. Não há como falar em futuro sem reverter o caos que domina a educação no Brasil, principalmente o ensino público.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, o Ministério da Educação, que conta com uma secretaria exclusiva para assuntos afeitos à alfabetização, não desenvolveu um programa sequer sobre o tema ou destinou recursos adicionais às escolas para evitar prejuízos nessa tão importante etapa do aprendizado. Mesmo assim, o Ministério da Educação vem torrando o dinheiro do contribuinte para veicular campanha sobre o novo ensino médio.

Se o Brasil comete erros crassos no ensino fundamental, como mencionado acima, em que condições esses jovens chegarão ao ensino médio? O governo está mandando pelos ares não apenas o dinheiro público, mas o futuro e a esperança dos cidadãos.

Ex-senador da República, ex-ministro da Educação (governo Lula) e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), Cristovam Buarque um entusiasta incorrigível da educação como meio de transformação da sociedade, sempre defendeu a “responsabilidade educacional”, que estabelece investimentos mínimos no setor.

Defensor do ensino de qualidade para todos os brasileiros, até porque minha trajetória acadêmica não permite posicionamento diferente, insisto na tese de que a Educação no país mereça empenho das autoridades a exemplo que aconteceu com o “Fome Zero”, programa lançado para combater a fome no Brasil.

Não é preciso esforço do raciocínio para perceber que a educação no Brasil entrou em colapso, sem que as autoridades competentes tivessem adotado alguma medida para evitar o pior.

A situação do ensino no Brasil há muito não é das melhores, mas os efeitos colaterais da pandemia impulsionaram um cenário de crise que precisa ser tratado com dedicação e responsabilidade por todos os homens públicos, não importando o cargo que ocupem.

Como sempre faço ao concluir os artigos, mais uma vez recorro ao antropólogo e sociólogo Darcy Ribeiro, um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos, que certa vez disse: “O Brasil, último país a acabar com a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.”

Todos nós, sem exceção, precisamos nos unir em prol de um só objetivo: resgatar a educação brasileira da desigualdade e do descaso.

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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