Reza a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º (caput) que “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. Subentende-se no escopo da citada cláusula pétrea que o tratamento isonômico é imperioso, seja na cobrança das obrigações, seja na concessão e no respeito aos direitos de cada cidadão.
Não obstante, o preâmbulo da Carta Magna traz grafada a manifestação dos constituintes por ocasião da promulgação da lei maior do País, que uníssonos, sob a batuta do então deputado federal Ulysses Guimarães (MDB), lá estavam, no Congresso Nacional, para “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.
Que a nossa Constituição tem suas imperfeições todos sabem, mas apesar disso a Carta é o farol legal que todo cidadão, sem exceção, deve seguir sem direito a rapapés ou alegações torpes, pois do contrário o País ingressará no terreno da desobediência civil.
Leis infraconstitucionais completam o arcabouço legal brasileiro, o qual não apenas estabelece as balizas do comportamento social, mas acima de tudo norteia decisões judiciais em caso de transgressões e violação dos direitos fundamentais.
Maus-tratos
Esse introito serve como abre-alas de um caso estarrecedor ocorrido na cidade de São Luís (MA), onde uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) passou a apresentar resistência em relação às aulas que frequentava na Escola Crescimento, na capital maranhense. A criança, por questões legais identificada apenas por “P.A.M.S.R.”, frequentava com entusiasmo o citado estabelecimento de ensino desde os dois anos e sete meses de idade.
Sem qualquer ocorrência de conhecimento dos tutores – mãe e avó – a menina começou a não querer tomar banho e se trocar para ir à escola. Diante do novo cenário comportamental, a família buscou informações na Escola Crescimento, questionando a instituição educacional privada sobre o processo de adaptação da jovem estudante, que em 2021 cursava o 5º ano.
Após inúmeras reuniões e diálogos com professores e coordenadores da Escola Crescimento, a família não conseguiu descobrir o que de fato vinha ocorrendo, até porque as informações obtidas junto à instituição de ensino foram ora evasivas, ora confusas.
Agressões físicas e assédio moral
Sem compreender os motivos das reações da jovem, os familiares decidiram acrescentar atendimento psicológico à rotina de acompanhamento multidisciplinar da menina. A partir dessa nova etapa de acompanhamento especializado descobriu-se que a menina apresentava um hematoma no braço.
Depois de muita insistência da família, a jovem revelou que uma professora havia beliscado seu braço. Diante de um quadro tão assustador quanto preocupante, os familiares resolveram examinar o corpo da jovem e acabaram encontrando hematomas nos joelhos.
A partir desse ponto tem início um enredo com inequívocas características de pesadelo. A família solicitou imagens das câmeras de segurança da Escola Crescimento, mas quinze dias após a solicitação a instituição limitou-se a enviar “prints” de imagens em que a professora agressora aparece distante da jovem. Considerando que que o pleito da família foi atendido parcialmente e não a contento, ficou evidente que a Escola Crescimento tentou “vender” a ideia de que a professora não teve qualquer contato físico com a aluna.
A família – leia-se mãe e avó – tentou por diversas vezes agendar reunião com a proprietária da Escola Crescimento, mas as tentativas – de agosto a outubro de 2021 – foram em vão. A justificativa apresentada, em diversas ocasiões, foi que a proprietária da escola não estava disponível.
Passados alguns meses de acompanhamento psicológico, a criança começou a apresentar comportamentos agressivos nas sessões de terapia enquanto relatava vinha sofrendo agressões de uma “tia” na escola.
Alguns dias depois do relato à terapeuta, a menina revelou à avó que a tutora de outro aluno havia batido em seu rosto com as duas mãos. A menina também disse que sua professora costumava pisar em seu pé e outra “tia” a chamava de idiota.
Diante desses terríveis relatos, que remontam à discriminação criminosa ocorrida nos campos de concentração na época do nazismo, a família preferiu não mais levar a menina à Escola Crescimento.
Mesmo em meio à dor física e psicológica, a criança, longe do ambiente escolar, externa preocupação com os colegas e principalmente com os estudos. Esse comportamento vai na contramão das desculpas dissimuladas da direção da Escola Crescimento, que preferiu proteger professoras supostamente despreparadas, quando deveria reconhecer o ocorrido e assumir as responsabilidades civis e criminais inerentes ao caso.
A família de “P.A.M.S.R.” buscou uma solução que protegesse a menor e trouxesse justiça. Em reuniões com a direção e coordenação da Escola Crescimento, a família solicitou, em síntese, o desligamento das profissionais envolvidas nos maus-tratos; um pedido de desculpas para a aluna e uma campanha de conscientização e respeito ao autismo. Em resposta, a Escola foi contraditória: negou que houve má conduta das profissionais, mas decidiu por afastá-las do convívio da criança. A instituição de ensino não atendeu aos pedidos da família.
O que diz a lei
Em 6 de julho de 2015, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.146, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), “destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.”
No artigo 5º, a referida Lei destaca: “A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante.”
Mais adiante, no artigo 14, o Estatuto da Pessoa com Deficiência trata do direito à habilitação e reabilitação.
“Art.14 – O processo de habilitação e de reabilitação é um direito da pessoa com deficiência.
Parágrafo único – O processo de habilitação e de reabilitação tem por objetivo o desenvolvimento de potencialidades, talentos, habilidades e aptidões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas que contribuam para a conquista da autonomia da pessoa com deficiência e de sua participação social em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas.”
No artigo 27, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência aborda o direito à educação.
“Art. 27 – A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.”
Já o artigo 88 da mesma lei trata dos crimes e infrações administrativas cometidos contra pessoas com deficiência.
“Art. 88 – Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo 1º – Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente.”
Direção da escola deve explicações
Em que pese o fato de os gestores e administradores de uma instituição de ensino particular terem uma agenda repleta de afazeres e compromissos, acima de qualquer situação está a responsabilidade pela segurança e integridade física do aluno, sob pena de incorrer em crime previsto em lei.
Diretoras-gerais do Grupo Crescimento e da Escola Crescimento, Maria Ariadine Bacelar de Castro e Luiza Bacelar de Castro, respectivamente, têm o dever de dar as necessárias explicações sobre as agressões sofridas pela jovem “P.A.M.S.R.”, assim como atender à solicitação de imediato afastamento das professoras em questão de iniciar uma campanha para conhecimento do espectro autista e o necessário respeito às pessoas portadoras de tal transtorno.
Em qualquer país minimamente sério o caso já estaria sob investigação policial, mas em uma sociedade que chafurda na vala do conceito oligárquico prevalece o dito popular “chora menos quem pode mais”.
Jornalismo a serviço do Brasil e dos brasileiros
Sabem os leitores do UCHO.INFO que não fazemos jornalismo de encomenda nem nos curvamos diante de poderosos, apenas informamos de forma correta e com base na verdade dos fatos, compromisso assumido no momento da escolha do ofício de jornalista.
Causa espécie a postura de um grupo educacional que detém na capital maranhense uma franquia da renomada “Maple Bear”, rede de escolas bilíngues de origem canadense e que está presente em 20 países, optado pela omissão e tergiversação diante de um caso grave e repugnante.
A presente matéria será enviada ao Ministério Público do Maranhão, com acompanhamento “pari passu” de nossa parte, ao franqueador da Maple Bear no Brasil e no Canadá. Caso necessário, a depender do desenrolar do caso, a matéria será enviada à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Afinal, se uma criança portadora de deficiência merece atenção e cuidados redobrados, até porque sua situação não é questão de escolha, antes de tudo os direitos humanos devem ser respeitados sem qualquer condicionante. Como disse o grande literato lusitano Luís de Camões, “é covardia ser leão entre ovelhas”.