A guerra da Ucrânia, a economia brasileira e as panaceias do governo Bolsonaro

 
(*) Waldir Maranhão

A invasão à Ucrânia deveria ser, nos planos de Vladimir Putin, uma operação militar rápida, a exemplo do que aconteceu em 2014, quando a Península da Crimeia foi anexada ao território russo. Infelizmente, passados alguns dias desde o início da investida militar, estamos assistindo a uma guerra que começou sem que a Rússia tivesse sido provocada.

A decisão de Putin de avançar sobre o território ucraniano, que pode mudar o mapa da Europa, terá reflexos globais em diversos setores, inclusive na economia, sem contar a questão humanitária, a mais importante de todas.

Putin não é um governante que goza da plena confiança dos seus homólogos, pelo contrário. Frio e calculista e acostumado a blefar como se fosse um profissional de cassinos, o presidente russo cria narrativas mentirosas para justificar o injustificável.

O presidente Jair Bolsonaro foi a Moscou recentemente em visita oficial, mas em momento inoportuno. Antes de embarcar para a Rússia, Bolsonaro, que ignorou os apelos internos e externos para adiar o encontro, alegou que a viagem serviria para tratar de assuntos de interesse do Brasil, incluindo negociações sobre fertilizantes, como mencionei no artigo anterior.

Na terra dos czares de outrora, Bolsonaro, que desconhece as regras básicas da política internacional, em dois momentos declarou solidariedade à Rússia, como se Putin precisasse disso.

Bolsonaro voltou ao Brasil e mais uma vez mergulhou no pântano do populismo barato, com direito a bravatas eleitoreiras. Com a eclosão da guerra da Ucrânia, o presidente retomou os temas que envolveram a viagem a Moscou e de novo citou conversas sobre fertilizantes, mas não deu detalhes sobre o assunto. Considerando que o governo impôs sigilo de 100 anos às conversas com Putin, os brasileiros de agora dificilmente saberão o que foi conversado no Kremlin.

A decisão de Vladimir Putin de avançar sobre o território ucraniano de forma covarde e criminosa terá sérias consequências na economia brasileira. A inflação tende a crescer, enquanto o destino da economia é o encolhimento. Em outras palavras, uma combinação explosiva para um país que não consegue sair da areia movediça da crise.

Mesmo que Kiev e Moscou cheguem a um acordo, algo que por enquanto parece impossível, o estrago está consumado. Afinal, Putin está decidido a levar adiante um projeto geopolítico que remonta ao nazismo.

Dono de personalidade controversa, Putin precisa varrer para debaixo do tapete as crises internas, que não são poucas. Isso significa que o brasileiro deve se preparar para mais dias difíceis.

A paranoia belicista de Putin levou o Real a retornar ao processo de desvalorização frente ao dólar, no momento em que a moeda norte-americana perdia força no mercado brasileiro.

Além disso, a importação de insumos, como é o caso dos fertilizantes, por exemplo, ficará mais cara. O efeito imediato de tal cenário é que os alimentos chegarão às nossas mesas com preços maiores. Se antes a batalha pela comida de todo dia já era difícil, a partir de agora luta será hercúlea.

Outro setor a ser afetado é o de combustíveis. Com a alta no preço do petróleo no mercado internacional, o transporte de cargas em um país com dimensões continentais e que depende do modal rodoviário, como o Brasil, também ficará mais caro. Aliás, a alta de preços será generalizada, do tão necessário pãozinho de todas as manhãs às passagens aéreas, da fabricação de automóveis à manicure.

O Brasil ainda cambaleia no redemoinho dos efeitos econômicos provocados pela pandemia do coronavírus e que levaram os brasileiros a inédita dificuldade, mas desde já tem de adicionar ao cardápio do dia a dia os efeitos colaterais de uma guerra absurda.

Para manter a roda da economia girando, o governo brasileiro terá de fazer concessões, como a redução do IPI em 25%. Essa medida terá consequências no panorama fiscal do país, levando os investidores a procurarem ativos mais seguros. Confirmado esse quadro, o mercado de ações no Brasil sentirá o impacto, que por sua vez impactará o mercado de trabalho.

A decisão do governo de amenizar momentaneamente a alíquota do IPI foi justificada pela necessidade de se criar meios de estímulo ao consumo. Em um país onde mais da metade da população recebe dois salários mínimos por mês, falar em estímulo ao consumo é desconhecer a realidade do brasileiro. É impossível consumir – alimentos, serviços e bens duráveis – com os juros nas alturas.

Comuns na política, frases de efeito não resolvem a vida do cidadão, pelo contrário. Quando se lançou candidato ao Palácio do Planalto, em 2018, Bolsonaro prometeu lutar contra o sistema. Entre os muitos bordões, dois merecem destaque: “acabou a mamata” e “mais Brasil, menos Brasília”.

A mamata continua como sempre, enquanto Brasília não consegue enxergar o Brasil real. O que se fala em palácios e ministérios, entre paredes de gabinetes, está muito longe da realidade enfrentada pelos brasileiros.

Bolsonaro foi a Moscou para demonstrar prestígio internacional, algo que não existe. A conta dessa panaceia, todos sabem. É nossa!

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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