O drama de Obélix

(*) Carlos Brickmann

Gérard Depardieu nasceu na França há 73 anos e se naturalizou russo em 2013. Mora em Novosibirski, na Sibéria, por dois motivos: para pagar menos impostos que os cobrados na França e por ser amigo de Putin. “Eu amo muito o presidente Vladimir Putin, e é mútuo”. Mas é contra a invasão da Ucrânia: “Rússia e Ucrânia sempre foram países irmãos. Eu digo: parem com as armas e negociem. Sou contra essa guerra fratricida”.

Na ânsia de responder à repugnante guerra movida por Putin, o Ocidente tem exagerado nas retaliações. Bloquear os fundos russos, perfeito: são eles que financiam a guerra. Bloquear o comércio com os russos, OK: é criando dificuldades para que os agressores tenham problemas internos que surgem oportunidades de colocar um fim na guerra. Confiscar iates, mansões e jatos dos bilionários russos pode colocá-los contra Putin – além disso, sabe-se que petrolão e rachadinhas, na Rússia, só servem para troco. Dinheiro de pinga.

Mas proibir gatos russos nas mostras da Federação Felina Internacional já chega à fronteira da galhofa. Proibir que um maestro russo participe de um concerto para o qual foi convidado, pense o que pensar da guerra, é absurdo.

Mas voltemos a Depardieu, que representa Obélix em filmes baseados nas histórias em quadrinhos. Será impedido de representar um dos irredutíveis gauleses que, com Astérix, Panoramix, Abraracurcix e o cãozinho Ideiafix, impedem o Império Romano de proclamar que conquistou toda a Gália?

Guerra é guerra

Certas loucuras ideológicas fazem com que as represálias adequadas para tempos de guerra se apequenem. Isso ocorreu no Brasil pós-1964, quando um grupo de chineses foi preso sob a suspeita de ser formado por chineses (e, não faz muito tempo, os governantes brasileiros ávidos por investimentos da China descobriram que alguns dos presos eram agora gente poderosa, com amplo poder de negociação); e o Ballet Bolshoi, de reputação internacional, foi proibido de se apresentar no Brasil, para não difundir o comunismo por meio dos pas-des–deux de O Lago dos Cisnes.

Nesse instante, apreender os iates, as mansões, as contas bancárias dos bilionários russos faz parte dos incômodos que lhes são causados pela proximidade com Vladimir Putin. Mas que não se alegue que isso ocorre por lavagem de dinheiro, ladroeira ou rapinagem de dinheiro público. Tudo isso já existia antes da invasão e era bem aceito pelo mundo. Nenhum ladrão ficou bilionário em poucos meses.

O poderoso chefão

Vladimir Putin era agente dos serviços secretos soviéticos quando caiu o regime comunista. Foi trabalhar com um político que se elegeu prefeito de São Petersburgo. Ganhava tão pouco que trabalhava também como motorista de táxi. Quando entrou na política para valer, seus problemas desapareceram. E uma das mais bem recheadas contas bancárias agora bloqueadas é a dele.

Adubo do mesmo saco

Bolsonaro tinha assuntos importantes a tratar com Putin: fertilizantes, tecnologia para a miniaturização do reator que deverá mover o submarino nuclear brasileiro e para resolver da melhor maneira a sua parte elétrica, mais as Pequenas Centrais Nucleares, que geram energia limpa e, dizem, segura. O problema foi a época: os dias que antecederam a agressão à Ucrânia.

Como de hábito, Bolsonaro aproveitou a oportunidade para fazer o que não devia: comprometer-se com um lado da guerra que se aproximava. Bolsonaro gosta de Putin: o russo é o que ele gostaria de ser, alguém cujas ordens ninguém discute e que manda no noticiário da imprensa. Tudo o leva, portanto, a ser o mais suave possível na condenação aos invasores – mesmo que isso o leve a ficar ao lado da Venezuela, Coreia do Norte, Argentina, Cuba, cujos governos detesta.

Já Lula adora ficar perto desses governos, ainda encara os dirigentes russos como se fossem soviéticos e comunistas, seu sonho é o tal “controle social da imprensa”, nome bonito que dá à Censura, e é suavíssimo na condenação à guerra: em seus discursos, pede que todos se levantem para mostrar que são contra a guerra, e encerram-se aí seus esforços. Lula liberou parte de sua imprensa para defender a tese de que Estados Unidos e OTAN são os responsáveis pela guerra – embora a guerra seja Ucrânia x Rússia.

Em poucas palavras

No Brasil, extrema direita e extrema esquerda se unem para condenar os regimes democráticos. E tanto Lula quanto Bolsonaro se sentem tão íntimos dos russos que até chamam seu presidente pelo diminutivo.

Imprensa como eles gostam

A Duma, o Parlamento russo, aprovou em alta velocidade uma lei que pune com prisão de três a 15 anos para quem produzir ou espalhar notícias falsas. O presidente Vladimir Putin sancionou imediatamente o projeto, que já está em vigor. Que são “notícias falsas” (ou “fake news”?) Por exemplo, falar em guerra entre Rússia e Ucrânia, ou em invasão da Ucrânia.

O nome mais bem aceito pelo presidente Putin é “missão de paz”.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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