Somos todos iguais porque somos diferentes – uma reflexão sobre o autismo

 
(*) Waldir Maranhão

Dia Mundial de Conscientização do Autismo, lembrado todo 2 de abril, é um convite para que toda a sociedade reflita sobre o tema e se engaje em um movimento para garantir respeito, atenção e oportunidade de inserção social aos portadores desse transtorno.

O autismo transcende uma data específica e deve ser objeto da dedicação contínua de todos, pois não se pode tratar o portador do transtorno como alguém à margem da sociedade e dos padrões por ela previamente definidos, na maioria das vezes excludentes.

Além disso, ainda em defesa da conscientização permanente sobre o transtorno, o autista é discriminado o ano todo, não apenas no dia 2 de abril ou ao longo do quarto mês do nosso calendário. A discriminação, maior ou menor a depender do caso, acontece 365 dias por ano.

É preciso, acima de tudo, compreender a forma como as pessoas que têm autismo interagem com o universo à sua volta. A partir desse entendimento é possível rever conceitos e mudar a forma de interagir com o autista, dando a ele a oportunidade de se manifestar no seu tempo e à sua maneira.

O “neurodivergente” ou “neuroatípico” não pode ser vítima do “capacitismo”, nome dado à discriminação e ao preconceito social contra pessoas que têm alguma deficiência, apenas porque a sociedade alimenta erroneamente a ideia de que a ausência de deficiências é rotulada como “normal”.

Aliás, muitas vezes confunde-se comum com normal, o que é um erro grotesco em qualquer sentido. Até porque nem sempre o que é comum é normal, pelo contrário.

Diagnosticado com autismo ainda na adolescência, William de Jesus Silva, 28 anos, desenhista, funcionário do Ministério Público do Estado de São Paulo e estudante de gestão pública da Universidade de São Paulo (USP), disse em entrevista à Deutsche Welle, uma das mais importantes empresas internacionais de comunicação, que no Brasil os autistas ainda são tratados como “párias”.

William está correto ao fazer tal afirmação, pois causa estranheza a postura da sociedade diante daqueles que não considera como normais. Esse conceito, que na verdade é um preconceito, precisa ser derrubado, não importando o esforço exigido para que essa realidade fique para trás nas páginas da história.

A inserção dos autistas na sociedade tem amparo na legislação brasileira, como, por exemplo, a Lei nº 12.764, de 2012, que passou a considerar oficialmente essas pessoas portadoras do transtorno, para efeitos legais, como deficientes. Anteriormente, a convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu os direitos e liberdades fundamentais dos autistas, que no Brasil ganhou status de emenda constitucional.

Causa-me indignação o fato de a sociedade necessitar de uma definição legal para que portadores de necessidades especiais – ou deficientes, como queiram – sejam respeitados, quando essa relação de convívio deveria ser pautada pelo conceito de humanidade.

Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (“Center of Diseases Control and Prevention”, em inglês) mostram que existe um caso de autismo a cada 110 pessoas. Isso significa que há no Brasil 2 milhões de autistas. Apenas a título de comparação, a população do nosso vizinho Uruguai é de 3,5 milhões de habitantes. Traduzindo em números, o número de autistas no Brasil corresponde a quase 60% da população uruguaia.

A comparação acima revela a necessidade de políticas públicas focadas na inserção do autista na sociedade, não apenas no restrito círculo familiar, mas também no mercado de trabalho, onde as oportunidades se fecham muito antes de qualquer processo seletivo.

Tenho me deparado com discursos e declarações de ditos especialistas sobre a importância da capacitação profissional, uma vez que o mercado de trabalho caminha a passos largos no caminho da automatização e da chamada robotização. Enquanto esse mantra ecoa Brasil afora, o comportamento da sociedade ultrapassa o limiar da desumanidade quando ignora ou deixa à beira do caminho pessoas rotuladas como “não normais”. De nada adianta adotar um comportamento do tipo “faz de conta” para que o próximo nos dedique louros por uma atitude de fachada que não reverbera o que se tem no íntimo.

O ser humano precisa compreender e aceitar, de uma vez por todas, que todos somos iguais pelo simples fato de sermos diferentes. E é na diferença que se constrói uma nação livre, democrática e solidária.

Camila, minha filha, há muito diagnosticada com autismo, é a força que me mantém em pé e na luta por um Brasil mais justo e solidário, é a bússola de cada instante da minha vida.

Um dos mais importantes teólogos e filósofos nos primórdios do cristianismo, Santo Agostinho disse: “Na essência somos iguais, nas diferenças nos respeitamos.”

Onde não há respeito não há esperança!

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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