Sem limites

(*) Gisele Leite

A estupidez não conhece limites. Tanto é veraz que o atual Presidente da República vetou integralmente o Projeto de Lei 6.556/2019 que inscreveria o nome da psiquiatra Nise da Silveira no livro dos “Heróis e Heroínas da Pátria”. O referido Projeto de Lei fora devidamente aprovado pelo Congresso Nacional e teve a discordância presidencial publicada no Diário Oficial da União em 25.05.2022.

A matéria (PL 6.566/2019), de autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foi aprovada pelo Plenário do Senado em 24 de abril, com parecer favorável da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). Mas a Presidência da República argumentou que, após ouvir a Casa Civil, decidiu vetar a proposta.

Sob a alegação de contrariedade ao interesse público, afirmou ainda que as homenagens não devem ser inspiradas por ideais dissonantes das projeções do Estado Democrático.

Evidentemente, o verdadeiro motivo do veto presidencial prende-se ao fato de que a nobre psiquiatra foi militante do Partido Comunista Brasileiro, tendo sido até presa em 1936, no Rio de Janeiro, após ser denunciada por uma enfermeira por portar livros marxistas. A psiquiatra restou detida por dezoito meses, por propagar ideais extremistas.

Ainda argumentou que não é possível avaliar, segundo os moldes da referida Lei, a envergadura dos feitos da médica Nise da Silveira e, mensurar o impacto destes no desenvolvimento brasileiro, a despeito de sua notável contribuição para área de terapia ocupacional, justificou a Casa Civil.

Grande injustiça foi cometida a Dra. Nise Magalhães da Silveira que realmente revolucionou o tratamento de transtornos mentais no país, tendo se formado em 1926 e passou a questionar os métodos da psiquiatria tais como o eletrochoque e a lobotomia. Notabilizou-se por usar técnicas de artes para tratar os pacientes com transtornos mentais e lutar contra a violência usada nos manicômios.

A referida médica obteve reconhecimento internacional, tendo sido membro fundadora da Sociedade Internacional de Expressão Psicopatológica sediada em Paris. E, sua pesquisa em terapia ocupacional bem como seus estudos sobre o processo psiquiátrico por meio das imagens do inconsciente deram origem as diversas exibições, filmes, documentários, cursos, simpósios, publicações e conferências.

Ganhou projeção internacional tendo seu trabalho reconhecido por outros psiquiatras do mundo, tal como Carl Gustav Jung.

Em 2016, foi lançado o filme brasileiro de longa metragem intitulado Nise: O Coração da Loucura, dirigido por Roberto Berliner. O filme foi resultante de treze anos de ampla pesquisa e se baseou em um momento da vida de Nise da Silveira. Dra. Nise da Silveira foi pioneira da psicologia junguiana no Brasil.

Já afirmava Machado de Assis que “De médico e louco todo mundo tem um pouco”. O ditado ficou famoso pelo livro “O Alienista”, de 1882, que faz um debate sobre a loucura. Uma frase parecida é da nordestina Nise da Silveira, grande admiradora do autor brasileiro: “Não se curem além da conta. Sanidade demais é chato. Todo mundo tem um pouco de loucura.”

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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