Violência trivial

(*) Gisele Leite

Há um quadro dramático, pois as estatísticas oficiais apontam para a prevalência da violência. A cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2017, obteve o maior índice de letalidade violenta desde 2010, de acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP), registrando 32,5 mortes a cada cem mil habitantes.

A cidade que já vivenciou uma intervenção federal militar, igualmente enfrenta crise financeira e política que tanto afeta as periferias, onde vive praticamente um terço da população carioca, e está em constante ameaça ao acesso a equipamentos públicos de educação, saúde e assistência social, comprometendo gravemente o desenvolvimento integral de milhares de crianças e adolescentes.

Além da privação ao direito à educação, a vida de crianças e adolescentes está em jogo. Muitas morrem vítimas de tiroteios e disparos de armas de fogo na região metropolitana do Rio de Janeiro e, até mesmo, dentro da própria escola.

Não obstante a violência urbana ser uma questão que há muito tempo aterroriza o Rio de Janeiro, as ondas têm relação com a política de pacificação adotada em 2010, principalmente porque veio a sediar dois grandes eventos esportivos, a saber: a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.

A ilusória política de pacificação trouxe a utopia de uma segurança circunscrita às regiões mais ricas e nobres da cidade. Desta forma, foram 38 UPPs instaladas e com isso deu-se a migração dos grupos armados de narcotraficantes para outras regiões da cidade e até mesmo para municípios vizinhos.

Recentemente, chegou-se ao total de vinte e cinco o número de óbitos na operação policial na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na Zona Norte. Há três pacientes que prosseguem internados no Hospital Getúlio Vargas e outros dois feridos, numa UPA do presídio em Bangu e outro no Hospital Salgado Filho. A referida operação policial foi realizada pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar, pela Polícia Federal e também pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).

A ação na Vila Cruzeiro é considerada a segunda operação policial mais letal da história do Rio, ficando atrás apenas da que ocorreu em maio de 2021 no Jacarezinho, quando 28 pessoas morreram.

Em nota pública assinada por vinte e duas entidades e movimentos sociais e divulgada em 24.05.2022 solicitou às polícias do Rio de Janeiro um imediato cessar-fogo na Vila Cruzeiro, durante a operação, que durou cerca de doze horas.

Enfim, é uma explícita calamidade pública o que requer que as agências do Estado se mobilizem para suspender o uso de forças policiais, sob o risco de vitimar mais pessoas com essa prática. A solicitação foi endereçada ao governo do Rio de Janeiro, atual candidato a governador do Estado, ao Ministério Público Estadual, à Secretaria de Polícia Militar, à Polícia Federal e, ainda, à Superintendência da Polícia Rodoviária Federal.

A nota também afirma que na referida região vivem cerca de duzentas mil pessoas que permanecem sob impacto emocional e psíquico diante do terror vivido por mais uma chacina, quando dezenove unidades escolares e outra unidades de saúde tiveram que ser fechadas.

Entre os signatários da carta e nota oficial estão a Anistia Internacional, a Casa Fluminense, o Coletivo Papo Reto, Observatório das Favelas, Instituto Marielle Franco, a ONG Conectas Direitos Humanos e a deputada Dani Monteiro (PSOL), que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Enquanto isto, o Rio de Janeiro continua a ser o cenário da violência trivial.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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