Massacre no Alemão foi chamado de “operação policial”; Bolsonaro lamentou apenas a morte de PM

 
A operação policial desta quinta-feira (21) no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, que deixou pelo menos 18 mortos, segundo números da Polícia Militar (PM) fluminense, provocou mais uma vez críticas à violência das forças de segurança.

De acordo com a PM, ao menos 400 agentes atuaram na ação, que tinha como objetivo combater o roubo de carros, de carga e a bancos. Foi a quarta operação policial mais letal da história do Rio, depois das que ocorreram no Jacarezinho em maio de 2021, quando 28 pessoas morreram, e na Vila Cruzeiro, em maio deste ano, que deixou 25 mortos – ambas na gestão do atual governador Cláudio Castro (PL) –, e de uma operação em 2007, também no Complexo do Alemão, com 19 mortos.

Entre os mortos, está um policial militar de 38 anos, atingido no pescoço, e uma mulher de 50 anos baleada no peito dentro do carro onde estava com o namorado. O homem afirmou à imprensa que um policial atirou contra seu carro quando ele parou no sinal de trânsito. A PM disse que os outros 16 mortos seriam suspeitos de crimes.

A operação foi deflagrada no início da manhã e durou cerca de 12 horas. Moradores foram acordados pelo barulho de rajadas de tiros e de rasantes de helicópteros da polícia.

Insensatez de Bolsonaro

De olho na reeleição e visando agradar os integrantes das forças de segurança, que reforçam sua base de apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro (PL) lamentou a morte do cabo Bruno de Paula Costa em durante a operação no Complexo do Alemão. Em nenhum momento o chefe do Executivo lamentou a morte da moradora da comunidade que voltava para casa quando se deparou com o tiroteio.

Bolsonaro aproveitou o episódio para criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que autoriza a realização de apenas operações excepcionais no Rio de Janeiro enquanto durar a pandemia. O presidente comparou o Rio de Janeiro a filmes de cowboy.

“É algo parecido quando a gente via filme de cowboy no passado, quando alguém cometia um crime nos Estados Unidos e ele fugia. Quando chegava no México, a patrulha americana não podia entrar naquele estado, e ele tava em paz no México. A mesma coisa acontece no Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro.

“Nessas áreas protegidas no Supremo Tribunal Federal, quanto mais protegido, melhores armados vão ficando e quando entram em ação o lado de cá, lado da lei, por muitas vezes sofre baixas como aqui do prezado paraquedista cabo de Paula”, completou, prestando seus sentimentos aos familiares do policial.

 
“Massacre”

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro afirmou, em nota divulgada na noite da quinta-feira, haver “indícios de situações de grave violação de direitos” durante a operação no Complexo do Alemão, “com possibilidade desta ser uma das operações com maior índice de mortos no Rio de Janeiro”.

Moradores da favela acusaram policiais de atacarem civis e invadirem residências, fazendo batidas policiais e levando objetos pessoais em meio a intenso tiroteio.

“É um massacre lá dentro, que a polícia está chamando de operação”, disse à agência de notícias AP uma mulher em condição de anonimato, por temer represálias das autoridades. “Eles não estão deixando a gente ajudar (as vítimas)”, acrescentou, afirmando ter visto um homem sendo preso por tentar socorrer feridos.

Após a operação, moradores foram vistos agrupando pessoas feridas na parte de trás de veículos para levarem ao hospital, enquanto a polícia assistia.

Gilberto Santiago Lopes, da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), disse que a polícia se recusava a ajudar. “Tivemos que carregá-los em um carrinho de bebidas e depois pedir a um morador local para levá-los em seu carro ao hospital”, ele disse. “[A polícia] não visa prendê-los, eles visam matá-los, então se eles estão feridos, pensam que não merecem ajuda.”

Os moradores ficaram furiosos e gritaram com a polícia. “Estamos com medo de viver aqui”, gritou um morador após a operação. “Onde estamos? Afeganistão? Em uma guerra? No Iraque? Se eles querem uma guerra, mandem-nos para o Iraque.”

 
“Liderança fracassada”

A Anistia Internacional afirmou no Twitter que “o Ministério Público tem o dever constitucional de fazer o controle externo da polícia” e diz ser “inaceitável que ações mal planejadas q violam os direitos humanos de tantas pessoas continuem ocorrendo no Rio de Janeiro sem que nada seja feito pelos órgãos de competência”.

“QUEM VAI PARAR o governador @ClaudioCastroRJ e sua política de segurança pública desastrosa e violadora de direitos no Rio de Janeiro !?? Basta de tanta brutalidade! A FAVELA QUER VIVER!”, afirmou a ONG.

Robert Muggah, especialista em segurança e cofundador e diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, disse que a operação de quinta-feira é “um sintoma de liderança fracassada e uma cultura institucional que tolera força excessiva.”

“As mortes resultantes de operações policiais em grande escala são um lembrete sombrio de que o policiamento militarizado não é apenas ineficaz, é contraproducente”, disse Muggah em mensagem de texto citada pela AP, acrescentando essas invasões geram “violência extrema afetando predominantemente pessoas de baixa renda e populações negras ao mesmo tempo em que corrói a confiança entre os moradores e aplicação da lei.”

Em vídeo compartilhado pelo portal Voz das Comunidades, moradores podem ser vistos clamando por paz e agitando panos brancos de suas janelas e telhados.

NÃO DÁ MAIS! A chacina do Complexo do Alemão já é a 5ª mais letal da história do Rio de Janeiro, com 18 mortos até o momento, entre civis e um policial. É a máquina de moer gente que @claudiocastroRJ e o bolsonarismo vangloriam. Não há segurança efetiva com esse modelo genocida!”, escreveu no Twitter a deputada federal Talíria Perone (PSOL). (Com agências de notícias)


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