O caminho das pedras

(*) Carlos Brickmann

Pesquisa é uma coisa ótima: mesmo sem ser infalível, indica o que fazer aos planejadores da campanha, dá ao eleitor uma ideia do clima político. Mas melhor ainda é observar o ambiente: se o meteorologista usa roupas de frio, é caso de se preparar também. Vejamos alguns indícios da campanha:

Lula deu entrevista a Ratinho, muito ligado a Bolsonaro. No final, Ratinho disse: “obrigado, presidente”. É norma tratar alguém pelo cargo que ocupou. Mas Ratinho é comunicador. Sabe como será interpretado.

Ciro Nogueira, primeiro-ministro de fato do Governo, pediu férias, também na quinta. Na sexta, foi convencido a continuar. Mas que teve ideia de pedir férias, teve. É como se Tite tirasse férias bem na hora da Copa.

A Igreja Universal apoia Bolsonaro. Mas candidatos importantes fazem campanha sem mencioná-lo. Por exemplo, Edna Macedo, irmã do bispo Edir, comandante da Universal, e o deputado federal Marcos Pereira, presidente do PR, partido da base da igreja. No material de campanha, deixaram em branco os cargos de senador, governador e presidente. A Universal, aliás, foi aliada de Lula durante seus períodos na Presidência.

E, apesar da simpatia da agropecuária por Bolsonaro, a campanha está sem dinheiro, com dívidas que somam R$ 50 milhões. O partido não ajuda muito: para o PL, é melhor investir nas eleições parlamentares. Com bancada maior, a verba pública é maior, e maior a influência no próximo governo.

Tanto faz

Do jeito que as coisas funcionam, para os partidos tanto faz quem seja o presidente: terá de negociar com eles. Se o presidente gosta ou não, não é problema. O general Augusto Heleno, guru de Bolsonaro, disse palavrões a respeito dos parlamentares, cantou “Se gritar Pega, Centrão/não fica um, meu irmão”, e pouco depois Bolsonaro dava um jeito de se aliar ao Centrão. O jeito, a propósito, é o de sempre: verbas, cargos. E o caro leitor vai pagar.

A hora do apelo

Os apelos de Flávio Bolsonaro aos apoiadores têm tido algum efeito, pois as doações privadas dobraram nos últimos dias. Mas é preciso muito mais.

A parábola e seu final

Ciro Gomes buscou na Fábula dos Dois Ladrões, de Monteiro Lobato, a base para uma peça de campanha. Dois homens conversam sobre as eleições. Discutem quem é o pior: o que roubou no passado ou o que quer roubar o futuro. Um dos homens se rende: “Você venceu. Não tenho a menor ideia de como se rouba o futuro.” O outro explica: “Fácil. Como o ladrão é do bem e o outro é do mal, preferiram ser roubados pelo que diz que é do bem.”

O final da história de Lobato: “Quando dois brigam, lucra um terceiro ladrão mais esperto.” Essa parte foi esquecida na peça de campanha.

A grande frase

Josias de Souza, blogueiro, da Folha e UOL, comentando a última pesquisa: “Datafolha consolida Bolsonaro como um Napoleão que faz sua própria Waterloo”. Impecável: num momento em que o importante da campanha é conquistar votos, ele fala do preço da gasolina em Londres, nada fala sobre o preço dos alimentos, ataca ministros do STF e só empolga quem já estava empolgado por ele.

Tudo às claras

A empresa aérea Gol informou à Justiça americana que entre 2012 e 2013 pagou propinas no Congresso Nacional brasileiro para aprovar matérias de seu interesse. O valor das propinas ainda não se sabe. Mas a multa que a Gol aceitou pagar nos Estados Unidos é de US$ 41 milhões. Mais de R$ 200 milhões. E aqui, país em que ocorreu o pagamento das propinas: qual será a punição? Quais os parlamentares que enfiaram a mão no pudim? Há algum processo instaurado contra alguém por esse motivo?

Censura de volta

Um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios determinou a retirada de duas reportagens do portal UOL sobre a compra de imóveis da família Bolsonaro. A medida foi pedida pelo senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. As reportagens revelam que numa boa parte dos imóveis (51 em 107) foi usado dinheiro vivo – o que não é ilegal, mas costuma ser investigado pelo Coaf por indicar lavagem de dinheiro.

O UOL já cumpriu a decisão e anunciou que vai recorrer.

Na decisão, levou-se em conta a proximidade das eleições. “Concorre a cargo público, de notória expressividade, o pai do requerente, sendo que a continuidade na divulgação das referidas matérias trará, não só aos familiares como ao candidato e ao requerente, prejuízos em relação a sua imagem e honra perante a opinião pública, com potencial prejuízo à lisura do processo eleitoral”. Aliados do presidente Bolsonaro discordaram do pedido: acham que vai manter viva a discussão sobre o caso. E contradiz uma das preferidas teses de Bolsonaro, de liberdade ilimitada de expressão.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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