Candidato à Presidência do Paraguai reivindica metade da energia de Itaipu e acende o alerta no Brasil

 
Em junho de 2009, o UCHO.INFO noticiou que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinara a assessores a rápida concretização de um acordo com o homólogo paraguaio da época, Fernando Lugo, sobre a energia excedente da usina hidrelétrica de Itaipu. Na ocasião, afirmamos que o Paraguai tinha direito a ser ressarcido de acordo com as regras de mercado, não tendo o país vizinho a obrigação de vender o excedente energético a um preço que comprometesse o seu desenvolvimento.

Em abril de 2011, informamos que a Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal havia aprovado a revisão do Tratado de Itaipu, firmado pelo Brasil com o Paraguai em 1973 para a construção da hidrelétrica no Rio Paraná. A revisão do tratado obrigou o governo brasileiro a aumentar o pagamento por cessão de energia, de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões, levando-se em conta a produção energética da usina no ano 2008.

Um ano antes, em 2010, integrantes do governo Lula garantiram à época, após evento em Assunção, que o novo acordo não refletiria nas contas de energia elétrica no Brasil, mesmo sabendo que o aumento fora calculado em 3%.

Com as negociações daquele ano, o Brasil passou a pagar ao Paraguai o triplo do que vinha pagando pela energia a que os paraguaios tinham direito e não utilizavam. Firmado em 1973, o Tratado de Itaipu, que definiu as regras para a construção e operação da usina hidroelétrica binacional, concede ao Brasil e ao Paraguaio a cada um 50% da energia produzida pela usina.

As negociações do Anexo C do tratado de Itaipu, documento que trata das condições de comercialização da energia gerada na hidrelétrica binacional, devem acontecer a partir de 2023, quando a usina completará 50 anos.

Valor da tarifa e revisão do acordo

Em junho passado, representantes do governo brasileiro afirmaram, em audiência pública da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que o Brasil negocia a redução da tarifa de energia gerada na usina hidrelétrica de Itaipu. No acordo entre Brasil e Paraguai para construção da usina, em 1973, foi estipulada uma revisão dos termos para 50 anos depois, ou seja, em 2023, quando a dívida da obra seria extinta. Contudo, como a dívida representa 66% da tarifa, a discussão entre ambos os países pode representar redução já a partir deste ano.

Também está em discussão, por causa da revisão do acordo, a obrigatoriedade do país vizinho de vender para o Brasil a energia excedente de Itaipu, sendo que cada um tem direito à metade da geração. Atualmente, o Brasil compra 30% da parte paraguaia. Para o Paraguai, a energia de Itaipu significa 85,6% do total consumido no país vizinho. Para o Brasil, 8,4%. Na revisão do acordo, chamado de anexo C, o Paraguai pode pedir para vender livremente a sua parte e esse é um dos pontos que devem ser negociados até agosto de 2023.

O diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, contra-almirante Anatalício Risden Júnior, defende a redução da tarifa, mas, segundo ele, o Paraguai quer manter o valor atual. Risden disse ainda que o Brasil tem estudos mostrando que o Paraguai deve necessitar do total da sua parte na geração da usina só daqui a dez anos.

 
Sinal de alerta

É para esse ponto que os brasileiros devem direcionar a atenção, pois o vizinho Paraguai realizará eleições presidenciais em abril de 2023 – a última foi em 2018.

Candidato liberal à Presidência do Paraguai, Martín Burt tem dado declarações que acenderam a luz vermelha em terras brasileiras, onde os setores governamental e produtivo foram tomados por preocupação.

Pela primeira vez nos últimos tempos, um candidato com chances concretas de chegar ao comando do Paraguai afirma de forma clara que, se eleito, usará toda a energia de Itaipu a que o país tem direito para garantir o desenvolvimento na nação vizinha.

A enfáticas declarações de Burt, se levadas a cabo, comprometerão o abastecimento de energia no Brasil, principalmente na região metropolitana de São Paulo, região do mais importante estado brasileiro que concentra importante parque industrial.

Outro detalhe que tem causado preocupação no setor industrial brasileiro é que Martín Burt vem crescendo de maneira rápida nas pesquisas eleitorais, na esteira de um tema que é muito sensível aos paraguaios: o uso integral de metade da energia produzida por Itaipu. Burt defende que a distribuição da energia da binacional deve seguir o que determina o tratado firmado em 10973, ou seja, metade para cada país.

Eleições internas e líder nas pesquisas

Dentro de um mês, o Paraguai terá eleições partidárias internas com vistas às eleições gerais de 2023. Há dias, nos bastidores da política paraguaia, circulou o resultado de uma pesquisa de opinião encomendada por empresários brasileiros e que aponta o crescimento constante de Martín Burt, do “Partido Liberal Radical Auténtico” (PLRA), enquanto seu principal adversário, Efraín Alegre, está em queda.

Por outro lado, a mesma pesquisa de opinião mostra que os paraguaios querem uma profunda mudança nos rumos do país, atualmente comandado por Mario Abdo Benitez, o Marito, próximo do ainda presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

O interesse dos paraguaios pela disputa presidencial do próximo ano ganhou força quando Martín Burt, em declaração à imprensa, afirmou que a negociação da energia produzida por Itaipu deve focar o desenvolvimento paraguaio, principalmente através da geração de empregos. Em outras palavras, Burt é contra a exportação da energia em condições que prejudicam o Paraguai.

Martín Burt também defende o uso da energia de Itaipu que cabe aos paraguaios para criar oportunidades de investimento no país, facilitando a instalação de empresas e empreendimentos estrangeiros, inclusive brasileiros, desde que gerem empregos.

O Paraguai precisa urgentemente acionar a engrenagem do desenvolvimento, pois somente assim conseguirá competir em igualdade de condições com países da região. Exportar a energia excedente de Itaipu faz com que o país vizinho, na melhor das hipóteses, ande de lado, algo inaceitável depois dos efeitos devastadores na economia global provocados pela pandemia de Covid-19.

 
Preocupação e entusiasmo

Recentemente, durante encontro na cidade de São Paulo, empresários brasileiros ficaram impressionados com os planos de Martín Burt, em especial no tocante a questões relacionadas ao desenvolvimento do Paraguai e a mudança de cenário no vizinho país.

Por outro lado, os empresários reconhecem que a posição defendida por Burt poderá prejudicar o funcionamento da indústria brasileira, que terá de buscar alternativas energéticas para manter o funcionamento de suas plantas produtivas. Porém, os dirigentes empresariais mostraram-se otimistas com a possibilidade de levar seus negócios ao Paraguai, caso Burt vença a corrida presidencial do próximo ano.

O presidente eleito do Brasil, Lula, terá de usar de habilidade na negociação envolvendo a energia produzida por Itaipu, uma vez que a posição defendida por Martín Burt não só mira o uso da porção energética que cabe ao Paraguai, mas abre caminho para empresas brasileiras se mudarem para o país vizinho.

Outros candidatos ao governo paraguaio deverão, em algum momento, abordar o tema, mas por enquanto apenas Martín Burt ousou tratar do assunto que é tão sensível aos seus conterrâneos.

Outro ponto a favor de Burt é a promessa de dar segurança jurídica aos chamados “brasiguaios”, que trabalham no Leste do Paraguai, região que faz fronteira com o Brasil. Os “brasiguaios” teme que suas terras sejam invadidas caso Efraín Alegre chegue à Presidência do Paraguai. Alegre é aliado a um setor radical da esquerda, que sempre se dedicou à ocupação criminosa de propriedades privadas.

No contraponto, Martín Burt promete não apenas segurança jurídica aos “brasiguaios”, mas também regularizar a situação daqueles que estão sem a documentação legal exigida pelo país.

Em 2011, por ocasião do acordo sobre a energia produzida por Itaipu – o Brasil consome 80% do montante gerado – havia no Paraguai mais de 300 mil “brasiguaios”, contingente que em disputa eleitoral apertada podem decidir uma eleição.

No momento em que o eleito Lula promete retomar as relações internacionais do Brasil, principalmente na América do Sul, deterioradas no governo Bolsonaro, a candidatura de Martín Burt é um sinal de esperança para a melhoria dos laços que nos unem aos paraguaios. Por outro lado, a questão da energia excedente de Itaipu, a que os paraguaios têm direito de forma incontestável, será um desafio para o novo governo brasileiro, que assume no primeiro dia de 2023, ano em que o Tratado de Itaipu terá de ser rediscutido.

Como disse o imperador romano Júlio César aos seus soldados, à margem do Rio Rubicão, “alea jacta est” (a sorte está lançada).


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