Atos golpistas de 8 de janeiro não podem sair do radar do cotidiano por causa de outros assuntos relevantes

 
A tragédia humanitária que tomou conta da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, precisa ser apurada a fundo para que os responsáveis sejam punidos com o rigor da lei. Contudo, enquanto o governo age para restabelecer a normalidade no território Yanomami, o que demandará tempo e muito esforço, os atos golpistas de 8 de janeiro e seus muitos desdobramentos não podem ser esquecidos nem minimizados, em especial por parte da imprensa.

O desejo maior da extrema direita brasileira, no momento, é que o assunto fique em segundo plano no noticiário. O plano golpista, liderado por Jair Bolsonaro, que continua foragido nos Estados Unidos, era inviabilizar a diplomação e a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, que venceu a corrida presidencial de forma democrática.

Não há como ignorar a responsabilidade intelectual de Bolsonaro no caso da invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, mesmo que os aliados do ex-presidente tentem negar os fatos.

As muitas versões dadas pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) – cinco até agora – visam tumultuar o processo e eventualmente suscitar a suspeição do ministro Alexandre de Moraes como relator do inquérito dos atos antidemocráticos. Como o parlamentar se recusou a formalizar a denúncia quando conversou com Moraes sobre o plano golpista apresentado por Daniel Silveira, com a aquiescência de Bolsonaro, é grande a chance de ele responder criminalmente por falso testemunho, denunciação caluniosa e coação no curso do processo.

Nesse imbróglio todos os envolvidos tentam de alguma maneira escapar da responsabilidade, mas as declarações de cada um não deixam dúvidas a respeito do envolvimento no plano golpista que, inicialmente, pretendia abrir caminho para a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, em seguida, anular os resultados da eleição presidencial.

Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, afirmou em depoimento que a minuta do golpe apreendida em sua casa pela Polícia Federal era um documento “descartável” e sem consistência jurídica. Pois bem, se o documento era descartável, alguém precisa perguntar ao ex-ministro por qual razão ele guardou a minuta golpista.

Torres também afirmou que não se recorda de quem recebeu o documento, que lhe foi entregue no Ministério da Justiça. A explicação do ex-ministro é tão estapafúrdia quanto a desculpa de que perdeu o telefone celular em Orlando (EUA), antes de retornar ao Brasil e se entregar à PF, já que havia mandado de prisão em seu desfavor.

 
Outro suspeito é o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, que em depoimento à PF alegou que sua fala foi metafórica quando disse, em entrevista, que “todo mundo tinha em casa uma minuta do golpe”. Depois de tentar anular o resultado da disputa presidencial, iniciativa que levou ao bloqueio das contas bancárias do partido, Costa Neto minimiza a capacidade de raciocínio dos brasileiros ao dar tal declaração.

“Nunca comentei, mas recebi várias propostas, que vinham pelos Correios, que recebi em evento político. Tinha gente que colocava [o papel] no meu bolso, dizendo que era como tirar o Lula do governo. Advogados me mandavam como fazer utilizando o artigo 142, mas tudo fora da lei. Tive o cuidado de triturar”, afirmou Valdemar, na entrevista ao jornal “O Globo”.

Jair Bolsonaro, que durante quatro anos exaltou seu questionável patriotismo, insiste em permanecer nos Estados Unidos, onde parlamentares pressionam a Casa Branca para que o ex-presidente seja expulsão do país. Além disso, os parlamentares querem que o FBI investigue se os atos golpistas de 8 de janeiro foram planejados em território norte-americano.

Ao mesmo tempo em que avança em seu plano de fuga, Bolsonaro vem a público para afirmar que de acordo com a lei é cidadão italiano. “Minha família é de Pádua (província na Itália). Pela legislação, eu sou italiano. Tenho avós nascidos na Itália. A legislação de vocês diz que eu sou italiano”, declarou a um jornalista do “Corriere Della Sera”, em Orlando.

Há uma colossal distância entre ser cidadão italiano por descendência e reunir as condições básica para requerer a dupla cidadania. O que o ex-presidente recebeu foi uma cidadania honorária, que não serve para blindá-lo juridicamente. Na melhor das hipóteses, um processo para obter a cidadania italiana demora pelo menos dois anos, desde que todos os documentos estejam em ordem.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o filho “01” do ex-presidente, afirmou não ter visto nenhum indício de crime na fala de Marcos do Val. Por razões óbvias Flávio viu como normal a revelação de um plano golpista que não foi adiante, assim como normal, no seu entendimento, foi o fato de Fabrício Queiroz, o operador das “rachadinhas”, ter ficado escondido em uma propriedade do advogado Frederick Wassef, que defende os interesses do clã Bolsonaro.

Flávio Bolsonaro se irritou, dias atrás, quando questionado sobre quando se dará o retorno do pai ao Brasil. “Não tem previsão, ele (Bolsonaro) que sabe. Pode ser amanhã, daqui a seis meses, pode não voltar nunca. Não sei. Você nunca tirou férias, não?”, perguntou Flávio aos jornalistas.


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