Democracia

(*) Gisele Leite

O vocábulo “democracia” vem do grego demos, que significa povo, e kratos, que significa poder. Então, é o poder do povo. Não quer dizer governo pelo povo. Pois, no governo há uma só pessoa ou grupo de pessoas, mesmo tratando-se de democracia. Desde que o poder, em última instância, seja do povo que escolhe e elege seus governantes e seus representantes. O fundamental é que povo escolha a pessoa ou grupo de pessoas que irão governar e, que ainda controle como ele governa. Seja em respeito às leis ou às necessidades e vontades do povo.

Nos primórdios, a democracia no mundo antigo refere-se a Atenas, especialmente ao século V a.C., apesar de que a Grécia não fosse um país unificado e, portanto, Atenas não era sua capital, o que se tornou no século XIX. Enfim, o mundo grupo ou helênico era composto de cidades independentes.

Em verdade, inicialmente eram governadas por reis como aludiu Homero. Mas, com o tempo, ocorre uma mudança significativa. O poder circulava dentro dos palácios, oculto dos súditos, passa para a praça pública e, vai para o centro da aglomeração urbana.

E, portanto, galga transparência, visibilidade. Assim iniciou a democracia: o poder, que se torna público, como mostra Vernant. Foi em Atenas que se concentrou esse novo modo de praticar, pensa e exercer o poder.

Classicamente, os gregos distinguiam três regimes políticos, a saber: monarquia, aristocracia e democracia. A diferença era o número de pessoas que exercia o poder, se um, alguns ou muitos. Monarquia é o poder exercido por um só (mono). A aristocracia é o poder dos melhores, os aristoi, os excelentes. São os que detêm aretê, ou seja, a excelência do herói.

Assim, a democracia se distingue não somente do poder de um só, mas igualmente do poder dos melhores, que se destacam por sua qualidade. A democracia é o regime do povo comum, onde todos são iguais. Não é porque um se mostrou mais corajoso na guerra, mais capaz na ciência ou na arte, que terá direito a mandar nos outros.

A maior diferença entre a democracia da Antiga Grécia e a moderna é que atualmente elegemos quem decidirá por nós, pois mesmo nas cidades pequenas, delegamos por vários anos as decisões ao prefeito e aos vereadores.

Mas, os gregos não, pois iam para discutir as questões que interessavam a todos, e, no século IV a.C., fixou-se a realização de pelo menos quarenta reuniões ordinárias por ano na ágora, que é a praça. Portanto, existia uma assembleia a cada nove dias.

Lembremos que tanto a representação como os direitos humanos precederam o advento da democracia moderna. Mas, os direitos humanos surgiram concretamente no século XVII, a representação na Idade Média e, é o no final do século XVIII que aparecem as primeiras democracias modernas, pelos menos em palpáveis dimensões.

A representação é relevante, porém significa também um aporte negativo da modernidade conferido à democracia. E, o que faz a urna ser menos democrática da praça de Atenas. Já com os direitos, é diferente, pois são o principal motor das reivindicações e, por meio desses se exprime e empreende a pressão popular sobre o poder.

Contatemos o quão estão consolidados os direitos dos proprietários, os direitos políticos e os direitos sociais e, esses derradeiros mais fracos. Ao passo que os direitos civis ou dos proprietários estão mais assegurados.

É verdade que o Código Civil brasileiro assim positiva — mas a Constituição Federal brasileira de 1988, que é superior a ele, exige que a propriedade privada cumpra sua função social.

O jurista e doutrinador Fabio Konder Comparato argumenta, por isso, que o papel do juiz não é o de um despachante que assina a ordem de desocupação — mas o de alguém que, lendo a legislação de maneira sistêmica e não como um artigo isolado, deve analisar se a propriedade está respeitando o texto constitucional em vigor.

Questionamos ainda se os direitos políticos no Brasil são fortes. Se, de fato, há ampla liberdade de organização partidária e de expressão. Se existe o contraditório e o diálogo no rádio, na internet e na TV. Se ocorre ou não a indevida manipulação do eleitorado pelo poder do Estado e do capital.

Enfim, todos os poderes constitucionais e a imprensa passara, entender que são melhores os direitos proprietários do que os demais. Enfim, essa priorização da nossa democracia ainda deixam os direitos políticos e os direitos sociais deficitários. Afinal, há muito a aprender. Temos que construir uma democracia com valor que deve ser ampliado ao maior número de campos da experiência humana.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

As informações e opiniões contidas no texto são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo obrigatoriamente o pensamento e a linha editorial deste site de notícias.


Se você chegou até aqui é porque tem interesse em jornalismo profissional, responsável e independente. Assim é o jornalismo do UCHO.INFO, que nos últimos 20 anos teve participação importante em momentos decisivos do País. Não temos preferência política ou partidária, apenas um compromisso inviolável com a ética e a verdade dos fatos. Nossas análises políticas, que compõem as matérias jornalísticas, são balizadas e certeiras. Isso é fruto da experiência de décadas do nosso editor em jornalismo político e investigativo. Além disso, nosso time de articulistas é de primeiríssima qualidade. Para seguir adiante e continuar defendendo a democracia, os direitos do cidadão e ajudando o Brasil a mudar, o UCHO.INFO precisa da sua contribuição mensal. Desse modo conseguiremos manter a independência e melhorar cada vez mais a qualidade de um jornalismo que conquistou a confiança e o respeito de muitos. Clique e contribua agora através do PayPal. É rápido e seguro! Nós, do UCHO.INFO, agradecemos por seu apoio.