Discurso insensato de Macron sobre conflito no Oriente Médio é “tiro no pé” diplomático e geopolítico

(*) Ucho Haddad

A visita do presidente francês Emmanuel Macron a Israel, onde reuniu-se com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, foi um “tiro no pé” em termos diplomáticos e geopolíticos, que pode ter consequências nos interesses da França no Líbano.

Macron disse que a visita foi uma demonstração de apoio a Israel, que, na opinião do mandatário francês, tem o direito de se defender. Durante o encontro com o premiê israelense, Macron propôs que a coalizão internacional que luta contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria seja ampliada para combater o Hamas na Faixa de Gaza.

Ao lado de Netanyahu, Macron destacou que França e Israel têm no terrorismo seu “inimigo comum”. “A França está pronta para que a coalizão internacional contra o Daesh [Estado Islâmico], da qual participamos para operações no Iraque e na Síria, lute também contra o Hamas”, disse aos jornalistas. O francês foi além e afirmou que a luta contra o Hamas “precisa ser sem misericórdia, mas não sem regras”.

É importante ressaltar que Emmanuel Macron, com tal declaração, endossa o genocídio praticado pelos israelenses na Faixa de Gaza. Lembro mais uma vez que sou contra qualquer tipo de violência e a favor do diálogo em busca da paz, o que passa obrigatoriamente pela criação de um Estado palestino. Combater o Hamas “sem misericórdia” significa condenar os palestinos de Gaza à morte.

Ademais, no momento em que a ordem do dia é um imediato cessar-fogo, a consequente libertação dos reféns e a preservação da população civil, a defesa de uma carnificina em Gaza só pode ser vista como ignorância diplomática e descaso com a vida dos palestinos, algo que acontece há décadas.

Colocar no mesmo patamar o Hamas e o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS) é uma decisão nada inteligente de quem desconhece a realidade de ambos os grupos, talvez finja desconhecer por razões questionáveis. O Hamas luta pela criação de um Estado palestino de fato e de direito, ao passo que o ISIS é um a organização jihadista baseada no salafismo (sunitas ortodoxos) e no wahabismo (sunitas ultraconservadores e extremistas).

O ISIS surgiu no Iraque em 2003, após a invasão do país e a queda de Saddam Hussein, que durante muito tempo conteve o radicalismo dos sunitas extremistas. Em 2014, sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi, o ISIS se autoproclamou um califado, cujo objetivo era – e ainda é – impor, com o uso da violência, a sharia em todo o Oriente Médio. Resumindo, não há como comparar o Hamas com o ISIS, mesmo que os radicais palestinos de Gaza lutem contra a existência de Israel. A causa palestina é justa, o objetivo secundário do Hamas é um delírio.

Um dia após a vista de Macron a Israel, a imprensa noticiou o encontro dos líderes do Hezbollah, do Hamas e da Jihad Islâmica, que se reuniram para tratar de aliança com o objetivo de “alcançar uma vitória real para a resistência”. Não foi divulgada a data do encontro.

Não se pode ignorar o fato de que por trás do Hamas e da Jihad, assim como do Hezbollah, está o governo do Irã, inimigo histórico de Israel e que dá suporte aos três grupos. O Hezbollah, fruto da Revolução Islâmica que levou os aiatolás ao comando do Irã, após a deposição do xá Mohammad Reza Pahlavi, atua fortemente no Sul do Líbano e tem importante participação na política do país.

Desde outubro de 2022 sem um presidente, o Líbano ensaia há muito uma eleição presidencial, sendo que o candidato mais forte é Suleiman Frangieh, político habilidoso que conta com o apoio declarado do Hezbollah, movimento que tem a costura política da França, em especial do próprio Emmanuel Macron.

Inserir o Líbano, mesmo que de forma indireta, no conflito entre Hamas e Israel é um ato de irresponsabilidade, uma vez que os libaneses enfrentam como podem os efeitos colaterais de uma crise múltipla, longeva e sem data para acabar.

Assim como fez o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que foi a Israel com o objetivo de criar uma narrativa que agradasse aos judeus americanos e aos evangélicos pentecostais, Macron encontrou-se com Netanyahu de olho nos judeus que vivem em seu país. A França tem a maior população judaica da Europa e a terceira maior do planeta, atrás apenas de Israel e dos EUA.

Vale ressaltar que a França, durante o período colonialista, ocupou vários países que têm o islamismo como religião dominante. Diante das dificuldades socioeconômicas enfrentadas por diversas dessas nações, muitos nativos rumaram e continuam rumando à Europa em busca de uma vida melhor.

O principal destino dos que fogem da tragédia econômico-social é a França, que desde a década de 50 se acostumou a receber os nascidos nas ex-colônias – principalmente dos países que formam o Magreb (Marrocos, Tunísia e Argélia) –, que por sua vez constituem famílias muçulmanas em território francês.

Em suma, o risco de o antissemitismo crescer na França é enorme, já que no país vivem aproximadamente 6 milhões de muçulmanos (10% da população francesa). Na última eleição presidencial francesa, em 2022, 30% dos muçulmanos votaram em Macron, que em Israel deveria ter feito um discurso focado na paz e no entendimento, mas optou por apoiar o genocídio que está em escalada na Faixa de Gaza.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, fotógrafo por devoção.

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