O nível intelectual e de comprometimento dos congressistas brasileiros foi despencando ao longo dos anos, a ponto de levar ao desespero qualquer ser humano com capacidade rasa de compreensão dos fatos. A degradação do Congresso é tão periclitante, que sonhar com dias melhores é tarefa exclusiva dos incautos. O Parlamento foi transformado em misto de balcão de negócios com usina de oportunismos.
Em mais uma investida contra o Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado pretende colocar em marcha uma reação ao julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, que será retomado na quarta-feira (6).
De autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte de qualquer quantidade drogas está parada desde setembro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas poderá ser votada em breve pelos integrantes do colegiado.
Fazendo eco ao discurso que tomou conta do Parlamento nos últimos anos, o relator da PEC, senador Efraim Filho afirma que cabe ao Congresso decidir sobre o tema. “A competência para legislar sobre o tema é do Poder Legislativo e, por diversas oportunidades nos últimos anos, o parlamento votou a favor de manter a atual legislação”, afirmou. Na opinião do parlamentar, não houve omissão ou inércia do Congresso que justifique o “ativismo judicial” por parte dos tribunais.
De acordo com a norma vigente, aprovada pelo Congresso em 2006, o porte de drogas para uso pessoal é tipificado como crime, mas não leva à prisão. Entre as penas previstas estão a prestação de serviços à comunidade e o cumprimento de medidas socioeducativas por até dez meses.
A proposta de Pacheco reforça a posição do Legislativo e acrescenta um inciso ao artigo 5.º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, criminalizando a posse e o porte de qualquer quantidade de entorpecentes e drogas sem autorização para tal.
Advogado de formação, Pacheco deveria saber que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 é cláusula pétrea, portanto não sujeito a alterações. Qualquer mudança depende da elaboração de nova Carta Magna. Talvez o presidente do Senado perdeu algumas aulas de Direito Constitucional.
O movimento dos parlamentares vai na contramão do bom-senso e da realidade, mas contempla os anseios retrógrados da porção conservadora do Congresso, que ascendeu ao Parlamento na esteira da eleição do golpista Jair Bolsonaro. Por outro lado, o cidadão branco e com dinheiro conseguirá sair ileso à sombra do pagamento de propina, prática comum nas delegacias de polícia.
Criminalizar o porte de drogas para uso pessoal servirá apenas para encarcerar a população carente – leia-se pobres e pretos – que serão enquadrados como traficantes, não como usuários. Isso porque o tráfico de drogas e o consumo de entorpecentes são vistos como fonte de dinheiro fácil pela banda podre das polícias.
Os parlamentares deveriam se preocupar com os barões do tráfico de drogas, que continuam dando as cartas em um país tomado pela corrupção em todos os flancos. O crime organizado age impunemente porque paga “pedágios” milionários àqueles que deveriam cumprir a lei. Em determinado estado da federação, criminosos pagam R$ 15 milhões mensais a policiais para agirem impunemente.
Outro ponto que deveria merecer a atenção dos senadores e deputados é a quantidade de droga apreendida e a relatada no boletim de ocorrência. A quantidade droga que não consta do boletim de ocorrência é revendida aos traficantes. Essa prática é corriqueira e faz a alegria de muitas autoridades corruptas.
Porém, cabem nesse espetáculo de falso moralismo algumas perguntas que não querem calar. Caso aprovada, a referida emenda constitucional valerá também para os usuários de drogas que frequentam o Congresso Nacional e áreas correlatas? A eventual nova regra será aplicada a parlamentares supostamente usuários de drogas? E no caso dos políticos eleitos com dinheiro do tráfico? E os parlamentares que desfilam em escolas de samba e frequentam camarotes financiados por traficantes? Faz-se necessário lembrar que a maioria dos políticos acredita estar acima da lei e de todos.
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