O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou seu discurso de abertura da 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York, nesta terça-feira (24), para criticar “plataformas digitais que se julgam acima da lei”, em clara provocação à rede X, do empresário Elon Musk, que continua suspensa no Brasil por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Lula também abordou a guerra na Faixa de Gaza e criticou a conduta israelense na região, afirmando que as ações militares do país se tornaram uma “punição coletiva de todo o povo palestino”.
“O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei”, disse Lula.
“A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital”, disse Lula, sem mencionar Musk diretamente.
Situação do Oriente Médio e críticas a Israel
O presidente brasileiro citou o conflito no Oriente Médio, incluindo a guerra entre o Hamas e Israel em Gaza e as recentes ações militares israelenses no Líbano, que nos últimos dias provocaram centenas de mortes.
“Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino”, disse Lula.
“São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”.
Conflito na Ucrânia e oferta de mediação
O presidente também abordou a guerra de agressão que a Rússia trava contra a Ucrânia, que já se estende há mais de dois anos e reiterou uma proposta de convocação de “uma conferência internacional de paz”, que o Brasil e a China apresentaram em maio.
“Na Ucrânia, é com pesar que vemos a guerra se estender sem perspectiva de paz. O Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano. Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar. O recurso a armamentos cada vez mais destrutivos traz à memória os tempos mais sombrios do confronto estéril da Guerra Fria.
“Criar condições para a retomada do diálogo direto entre as partes é crucial neste momento. “Essa é a mensagem do entendimento de seis pontos que China e Brasil oferecem para que se instale um processo de diálogo e o fim das hostilidades”, disse Lula.
Em maio, a China e o Brasil afirmaram apoiar “uma conferência internacional de paz organizada numa altura apropriada, reconhecida pela Rússia e pela Ucrânia, com a participação igual de todas as partes e uma discussão justa de todos os planos de paz”. No entanto, presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, criticou a proposta no último fim de semana, afirmando que não se trata de um “plano concreto”.
Mudanças climáticas e queimadas
O presidente ainda mencionou as mudanças climáticas e admitiu que o Brasil atravessa um momento delicado.
O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna”, disse Lula.
Na sequência, Lula mencionou a situação do Brasil e admitiu que é “preciso fazer mais”.
“No sul do Brasil tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”, disse Lula, num momento em que o governo federal é pressionado por graves incêndios em diferentes biomas do país.
Reforma da ONU
Na parte final do discurso, Lula retomou tema habitual da diplomacia brasileira: a cobrança por reforma de organismos internacionais, especialmente o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que também é defendida por países como Alemanha e Japão.
“Prestes a completar 80 anos, a Carta das Nações Unidas nunca passou por uma reforma abrangente. Apenas quatro emendas foram aprovadas, todas elas entre 1965 e 1973. A versão atual da Carta não trata de alguns dos desafios mais prementes da humanidade. Na fundação da ONU, éramos 51 países. Hoje somos 193. Várias nações, principalmente no continente africano, estavam sob domínio colonial e não tiveram voz sobre seus objetivos e funcionamento”, afirmou.
Na sequência, o presidente elencou propostas de reforma da ONU, que incluíram: “revitalização do papel da Assembleia Geral, inclusive em temas de paz e segurança internacionais; fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz; reforma do Conselho de Segurança, com foco em sua composição, métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e representativo das realidades contemporâneas”.
“A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial”, disse Lula. “Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre os seus escombros uma nova governança global.” (Com agências internacionais)
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