Desde a primeira edição do UCHO.INFO, em junho de 2001, temos insistido na importância de a sociedade se interessar pelas questões políticas. A atenção redobrada em relação ao tema é necessária para monitorar decisões de interesse da população e, na medida do possível, minimizar a transgressão da lei.
Como sempre afirmamos, a atividade política no Brasil tornou-se, ao longo dos anos, um negócio lucrativo, que há muito não é deixado de lado nem mesmo em períodos eleitorais.
A Lei da Ficha Limpa, resultado de importante iniciativa do ex-juiz e advogado Márlon Reis, contribuiu sobremaneira para barrar as candidaturas de políticos condenados, mas a hermenêutica tem prejudicado a aplicação da lei, ipsis litteris.
O mais recente escândalo que perpassa a Lei da Ficha Limpa envolve o prefeito e o vice-prefeito de Tucuruí (PA), Alexandre França Siqueira (MDB) e Jairo Rejânio de Holanda Souza (MDB), respectivamente.
Nas eleições municipais de 2020, Alexandre Siqueira e Jairo distribuíram de maneira indiscriminada combustível a eleitores que participariam de uma carreata no município paraense, o que configura crime eleitoral. Na ocasião, eleitores receberam um voucher no valor de R$ 50,00 para ser utilizado em determinado posto de combustíveis.
A distribuição de gasolina ocorreu em 12 de novembro daquele ano, ou seja, três dias antes do primeiro turno das eleições municipais, em um posto de combustíveis de Tucuruí. É importante destacar que, à época, o Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA) havia proibido aglomerações em razão da pandemia de Covid-19, mas Siqueira preferiu ignorar a determinação judicial.
O TRE-PA, com base em provas irrefutáveis, cassou os mandatos de Alexandre Siqueira e de Jair Rejânio. À sombra do direito à ampla defesa, os dois políticos protocolaram recurso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que até o momento não decidiu o caso em caráter definitivo.
Tal cenário, vítima da morosidade judicial, permitiu que Siqueira e Jairo registrassem chapa para concorrer nas eleições de 2024. Foram reeleitos! Esse detalhe mostra de maneira inequívoca que a demora no âmbito de julgamentos acaba beneficiando políticos de conduta duvidosa.
O que diz a Lei da Ficha Limpa
A Lei Complementar nº 135, de 2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, é uma lei infraconstitucional que alterou a Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar nº 64, de 1990).
Fruto de projeto de lei de iniciativa popular e idealizado pelo ex-juiz Márlon Reis, como já citado, a Lei da Ficha Limpa estabeleceu novos critérios que devem ser cumpridos por quem pretende disputar cargos eletivos, assim como define hipóteses de inelegibilidade, com o objetivo de preservar a probidade administrativa e a moralidade no exercício de mandato.
De acordo com a lei, não pode participar de disputa eleitoral aquele que já tenha sido condenado por um colegiado de juízes ou tenha renunciado para escapar de eventual cassação.
No artigo 26-C, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135) é clara ao estabelecer: “O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso”.
No caso envolvendo o prefeito de Tucuruí, Alexandre Siqueira (MDB), não há no escopo da fase recursal requerimento expresso da suspensão da inelegibilidade. Isso posto, é indiscutível a preclusão, ou seja, configurada está a perda de direito de praticar atos processuais.
Instância superior
Em maio de 2024, portanto cinco meses antes do primeiro turno das eleições municipais daquele ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu início ao julgamento conjunto de recursos apresentados por Alexandre Siqueira e Jairo Rejânio contra decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, que cassou os mandatos de ambos por compra de votos e abuso de poder econômico nas eleições de 2020, como citado acima.
Relatora do caso no TSE, a ministra Isabel Gallotti manteve a cassação dos mandatos do prefeito e do vice. A magistrada defendeu em seu voto que houve inequívoco abuso de poder econômico e compra de votos de eleitores pelo titular da chapa. Gallotti votou pela inelegibilidade de Siqueira por oito anos e aplicação de multa no valor de R$ 40 mil, isentando Jairo Rejânio das punições.
De acordo com a ministra Isabel Gallotti, a prática ilegal de distribuição de combustível, na disputa eleitoral de 2020, viciou a vontade do eleitor e de desequilibrou a corrida à Prefeitura de Tucuruí, vencida por uma diferença de ínfimos 164 votos. A ministra destacou em seu voto que a distribuição indiscriminada de combustível desrespeitou normas sanitárias e eleitorais vigentes à época. “O que revela o dolo específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor”, frisou.
Ato contínuo, o ministro Floriano de Azevedo Marques apresentou pedido de vista. Em 6 de agosto de 2024, em voto-vista, o ministro Raul Araújo acompanhou integralmente o entendimento da relatora, anteriormente seguido por Azevedo Marques.
Contudo, um novo pedido de vista, desta vez apresentado pelo ministro Kassio Nunes Marques, interrompeu o julgamento do caso, possibilitando a manutenção das candidaturas de Alexandre Siqueira e Jairo Rejânio, o que configurou mais um atentado à Lei da Ficha Limpa.
Passados oito meses do pedido de vista apresentado pelo ministro Kassio Nunes Marques, o caso continua sem decisão final, enquanto Alexandre Siqueira segue à frente da Prefeitura de Tucuruí.
Profissionais do Direito
O UCHO.INFO programou a publicação de uma série de matérias sobre os escândalos envolvendo Siqueira. Para tanto, ouviu a opinião de especialistas em Direito acerca da explícita violação do que determina a Lei da Ficha Limpa.
Inicialmente, consultamos uma desembargadora aposentada – por razões pessoais pediu sigilo –, que após analisar o caso não titubeou em afirmar que, além do crime eleitoral, a preclusão é patente pelo fato de o agravante, no caso o prefeito Alexandre Siqueira, não ter requerido de forma expressa a suspensão da inelegibilidade.
Destarte, a permanência de Siqueira no mandato de prefeito de Tucuruí é inegável desafio à Lei da Ficha Limpa, que tenta proteger a administração pública, assim como a sociedade, de políticos condenados e inelegíveis, que se mantêm nos respectivos cargos por conta de recursos intermináveis e bamboleios jurídicos escusos.
Nas próximas matérias traremos as opiniões do idealizador da Lei da Ficha Limpa, o ex-juiz e advogado Márlon Reis, e da professora Gisele Leite, Mestre e Doutora em Direito.
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