(*) Ucho Haddad
Com tantos problemas à espera de solução, parte do Brasil quase parou à sombra do estado de saúde de Jair Bolsonaro. Nas redes sociais, muitas foram as postagens sugerindo que o ex-presidente simulou uma farsa. Discordo! Entre ser contra o ex-presidente e alimentar conjecturas há abissal diferença.
Ninguém é submetido a cirurgia de 12 horas por causa de malabarismos ideológicos ou alegada perseguição política. O fato de a internação, na capital potiguar, ter ocorrido no mesmo dia em que o STF publicou o acórdão da decisão que tornou réus Bolsonaro e seus golpistas de plantão é coincidência. Alguém há de dizer que coincidências não existem. Assim como bruxas, coincidências existem, mesmo que às vezes pareçam fruto da teoria da conspiração.
Desde o episódio da facada, em setembro de 2018, Bolsonaro vem abusando da vitimização como forma de estar em evidência, para ocupar espaço no noticiário. Esse cenário é inegável. Também fez uso do episódio para tentar responsabilizar a esquerda, algo tão absurdo quanto uma internação encenada.
Jair Bolsonaro é ignorante e estúpido, impossível negar, mas de tolo nada tem. É ladino a ponto de tirar proveito de situações desfavoráveis, como vem fazendo ao longo dos anos. Um paciente que se deixa fotografar ao lado de médicos e enfermeiros e publica as imagens nas redes sociais para aspergir a fumaça do coitadismo deve, no mínimo, ser rotulado como oportunista da pior espécie.
Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto fazendo muito barulho a partir de gravíssimos erros do PT e de suas legendas satélites. Em parte do eleitorado encontrou eco à sua verborragia insana. Agora, sem ter caixa de ressonância à disposição, o ex-presidente adota a velha tática da vitimização, do coitadismo. Tal estratégia está com o prazo de validade vencido.
Na seara da fracassada tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro e seu entourage tornaram-se réus, o que garante o direito ao devido processo legal, à ampla defesa e à presunção de inocência, até que eventual condenação transite em julgado. Isso significa que o ônus da prova cabe a quem acusa, enquanto o acusado não é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
No âmbito da trama golpista, a Procuradoria-Geral da República anexou à denúncia considerável cipoal de provas. No primeiro momento, antes da aceitação da denúncia por parte do STF, o ex-presidente disse “caguei para a prisão”. Após a repercussão negativa da própria fala, afirmou ter se excedido.
O melhor que Bolsonaro pode fazer é se dedicar ao máximo para provar sua inocência, apesar de as provas produzidas pela Polícia Federal serem incontestes. Mesmo assim, a ampla defesa está garantida.
Na contramão da lógica e do bom-senso, o ex-presidente tem feito incursões nos bastidores do Congresso para aprovar projeto de lei que concede anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Qualquer advogado minimamente informado e coerente, mesmo estreante na profissão, sabe que a proposta é inconstitucional. Caso aprovada no Legislativo, será derrubada no Supremo.
Ciente de que o projeto de anistia pode não prosperar, Bolsonaro recorreu ao coitadismo no afã de transformar a compaixão dos seus desatinados apoiadores em ferramenta de persuasão. A eficácia desse estratagema é questionável.
Talvez, o fracassado golpista queira que seus fervorosos e truculentos seguidores ajam como os sábios macacos do templo sagrado de Nikko: não ouçam, não vejam qualquer mal. Sobre falar, isso está liberado, desde que seja contra o STF e a favor da anistia.
O processo pós-operatório de Bolsonaro não tem prazo, mas é certo que nesse período – duas a três semanas – os golpistas do pastoreio farão a festa em suas respectivas igrejas. Será uma mistura de orações pela recuperação de Bolsonaro com defesa da anistia àqueles que acreditaram ser possível mandar a democracia brasileira pelos ares.
Se por um lado o enredo da vitimização está sendo esculpido a muitas mãos, por outro Bolsonaro, agora sem nós nas tripas, já pode “cagar à vontade para a prisão”, sem medo de ser feliz. Contudo, não fará porque coragem nunca foi seu forte.
Enquanto o golpista permanece internado na Unidade de Terapia Intensiva, sem previsão de alta, médicos dançam ao redor da fogueira de vaidades. Quem cuidou da saúde de Bolsonaro anteriormente alega “não valorização” do trabalho feito até antes da última internação. Os que desataram os recentes nós nas tripas falam em “parede abdominal bastante danificada em função da facada e das cirurgias prévias”.
Bolsonaro foi eleito por conta da facada, agora sonha em ser anistiado por causa dos desatados nós nas tripas. Sonhar é livre e não paga imposto. É possível, inclusive, sonhar com golpe de Estado, que para sorte dos brasileiros de bem transformou-se em pesadelo para a turba golpista.
Vencidas a obstrução intestinal e as tais aderências, Bolsonaro precisa ser lembrado de que dor de barriga não acontece apenas uma vez. Anistia não!
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, fotógrafo por devoção.
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