O filho do ex-diretor de Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, afirmou em seu depoimento à Procuradoria-Geral da República que o senador Delcídio Amaral (PT-MS) participou de reunião, no Rio de Janeiro, em que foi tratada a “movimentação política para obtenção de habeas corpus”, por intermediação de um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de sobrenome “Navarro”.
Não por acaso, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas é o relator dos processos da Operação Lava-Jato no STJ, nomeado em setembro para o cargo pela presidente Dilma Rousseff.
“Essa reunião serviu para tratar de movimentação política para a obtenção de habeas corpus, havendo sido discutida uma nomeação de Ministro para o STJ que iria acontecer em breve”, declarou Bernardo Cerveró, em depoimento prestado à PGR em novembro.
O termo faz parte das tratativas da família que viabilizaram o acordo de delação premiada do ex-diretor e levou para a cadeia Delcídio, então líder do governo no Senado, e o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, por tentativa de obstrução às investigações da Lava-Jato.
“Uma das nomeações discutidas era de alguém de Natal/RN, lembrando-se o depoente do sobrenome Navarro”, ressalta trecho do depoimento. “O tom da conversa era o de que o nomeado iria resolver monocraticamente, “foi indicado por não sei quem”, é um legalista”.
Segundo Bernardo, o encontro ocorreu em uma seguradora, no centro do Rio de Janeiro. “Essa reunião foi marcada por Edson Ribeiro”, afirmou. Ribeiro era o advogado de Cerveró nos processos da Lava-Jato, que tentava junto com Delcídio impedir o ex-diretor de fazer delação. O advogado também foi preso pela Polícia Federal, na esteira do plano de tentar melar as investigações e oferecer uma rota de fuga ao ex-diretor da Petrobras.
Bernardo ainda revelou que nesta reunião também estavam os advogados Felipe Caldeira e Nélio Machado –foi defensor do lobista Fernando Baiano, que era o responsável pelas contas secretas de Cerveró e também fez acordo de delação. “Bem como o senador Delcídio Amaral e seu assessor Diogo [Ferreira, chefe de gabinete também preso].”
“Ao final da reunião, já com o clima mais descontraído, o senador Delcídio Amaral chamou o depoente e Edson Ribeiro para um canto e disse, em tom sério, ‘olha, já está tudo certo, o pessoal de São Paulo está viajando, mas, quando voltar, vai resolver os seus honorários (dirigindo-se a Edson Ribeiro) e garantir ajuda para a família (dirigindo-se ao depoente)’”.
Na gravação feita por Bernardo no início de novembro, em um hotel de luxo em Brasília, Delcídio, seu chefe de gabinete e o advogado Edson Ribeiro foram flagrados tentando comprar o silêncio de Cerveró e patrocinar a fuga do ex-diretor do País, ocasião em que o nome de Ribeiro Dantas também foi citado pelo senador.
“O STJ, ontem eu conversei com o Zé Eduardo muito possivelmente o Marcelo na Turma vai sair”, disse Delcídio, ao tratarem de um habeas corpus que teria sido apresentado pela defesa de Cerveró. O senador afirmou em seu depoimento à Polícia Federal que a citação ao “STJ” feita por ele em reunião gravada pelo filho do ex-diretor da Petrobras era referente a uma “conversa que havia mantido com o ministro da Justiça”, José Eduardo Martins Cardozo.
“Houve comentário por parte dele [Cardozo] no sentido de que possivelmente haveria decisão favorável a Marcelo Odebrecht, em habeas corpus que tramitava no STJ”, afirmou Delcídio, ouvido pela PF no dia 26 de novembro. Questionado se “a entonação com que deu a notícia” sobre o STJ para Bernardo Cerveró e para o advogado da família Edson Ribeiro “era positiva”, Delcídio afirmou que “sim”. “Considerava uma boa notícia, no sentido de incentivá-los”, falou.
O ministro da Justiça negou que tenha tratado com Delcídio “sobre casos ou réus específicos da Lava-Jato”. ‘Eu conversei muitas vezes com várias pessoas sobre a Lava Jato, mas nunca conversei sobre um caso ou uma situação específica. Ele [Delcídio] me perguntou, após decisão sobre executivo de uma empresa, se ela poderia repercutir em outras instâncias [do Judiciário]. Eu fiz uma análise da teoria da repercussão”, declarou Cardozo.
Procurado nesta quinta-feira (10), o ministro Ribeiro Dantas não foi encontrado. Em outra ocasião, ele informou que não daria entrevistas nem comentaria a citação ao seu nome nas conversas.
Um dia antes da prisão de Delcídio e Esteves, o relator da Lava-Jato no STJ votou pela conversão da prisão preventiva em domiciliar do presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques Azevedo. Na última semana, Ribeiro Dantas votou também pelo benefício para o presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, e executivos do grupo.
As decisões de liberdade ainda serão votadas pelos demais ministros da 5ª Turma do STJ. Ribeiro Dantas é o mais novo ministro do STJ, nomeado em setembro, após indicação da presidente Dilma Rousseff, com apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Como relator da Lava-Jato, Ribeiro Dantas assuntou a decisão para julgar os pedidos dos réus e investigados da operação.