“Conversas privadas que nada têm a ver com delitos devem ser privadas”. Com essa frase o ainda advogado-geral da União, José Eduardo Martins Cardozo, em discurso colérico proferido no Palácio do Planalto, após encontro de juristas a favor do desgoverno, tentou justificar as conversas nada republicanas entre a presidente Dilma Rousseff e o agora quase ministro Lula. Cardozo, que é reconhecido pelo pouco e ofuscado brilhantismo como advogado, tentou mostrar aos colegas de profissão uma competência que inexiste.
José Eduardo Cardozo, que vem colecionando seguidas derrotas em suas incursões para tentar reverter o caos que se instalou no governo do PT, erra ao afirmar que a conversa entre criador e criatura não tinha como base um delito. Dilma nomeou Lula às pressas para que o antecessor, investigado na Operação Lava-Jato, escapasse da eventual pedido de prisão, o que ficou claro na conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal porque o ex-metalúrgico estava sob monitoramento, mas o advogado-geral não vê crime no tal diálogo. Sendo assim, a existência do delito é inequívoca, pois Dilma, em conluio com Lula, arquitetou uma manobra para obstruir as investigações sobre esquemas de corrupção e o trabalho da Justiça.
Desde que a fatídica conversa teve o sigilo derrubado pelo juiz Sérgio Moro, responsável na primeira instância do Judiciário pelos processos da Lava-Jato, o governo insiste em exaltar a ilegalidade da medida, mas em momento algum ousou explicar o conteúdo da conversa, que, eivada de crime, fere os princípios do Estado Democrático de Direito.
A Constituição Federal garante ao cidadão o direito à livre manifestação do pensamento, mas o advogado-geral não pode exceder os limites do razoável apenas porque no patíbulo da força estão o mais corrupto governo da história brasileira e seu principal protagonista.
De tal modo, Cardozo deveria, recobrando a coerência – se é que essa existe de fato –, rever sua fala acerca do processo de impeachment que avança na Câmara dos Deputados, pois o mesmo está calcado sobre o crime de responsabilidade cometido pela c”companheira” Dilma, que continua acreditando que a adoção das malfadadas “pedaladas fiscais” encontra explicação à sombra do projeto criminoso de poder que o PT tenta implantar a fórceps no País.
Não se discute o direito do cidadão de não produzir provas contra si, mas em determinadas situações os fatos anulam os argumentos. E é exatamente isso que Cardozo não consegue assimilar, pois está provado de forma robusta que as “pedaladas fiscais” existiram, apesar de todos os avisos das autoridades na direção do Palácio do Planalto.
Os petistas não desistem da enfadonha cantilena “não ai ter golpe”, mas é preciso reconhecer que um regime democrático não se mantém na esteira do livre arbítrio dos governantes, mas a partir do incondicional respeito à legislação vigente, sem o qual uma nação deixa de existir.
É direito inequívoco de Dilma Rousseff lutar pelo cargo – o poder a petista já perdeu –, mas persistir no erro é sinal de ignorância mesclada à teimosia. Se o governo do PT é essa maravilha que os “companheiros” vociferam Brasil afora, com ganhos incontestáveis para a sociedade, que os palacianos convençam os parlamentares a votarem contra o processo de impeachment da presidente da República. O que não se pode aceitar é a insistência do governo em afirmar que se trata de um golpe, pois a figura do impeachment consta da lei, assim como o processo que tramita na Câmara dos Deputados segue os preceitos legais. Em suma, é hora de arrumas as gavetas.