(*) Marli Gonçalves
Também estou preocupada. Todos nós estamos apreensivos, e perplexos. É estranho estar apreensivo e perplexo ao mesmo tempo, mas é o que acontece. Vou tentar expor um ponto de vista daqui da minha torre de observação: um novo tempo, apesar dos pesares, está chegando. Eles agora têm netos, não vão querer fazer feio. Pelo menos não tão feio
Pensa comigo. Aos fatos. Está visto no decorrer da Operação Lava Jato que não há mais como escapar de investigações e que estas viram ao avesso as vidas, o presente, o passado e o futuro, aqui e em toda a galáxia. Certo? Certo. Até pode fazer, mas tem de rebolar tanto para não ser descoberto que vai acabar chamando a atenção do japonês.
Sorria, você está sendo filmado, fotografado, televisionado, gravado, youtubado, instagramado, facebucado, zapzapeado e tuitado – eles também, e bem mais do que nós.
Pois bem. Com algumas décadas acompanhando a política nacional como jornalista, conheço ou lembro mais detalhes ainda do que a maioria de vocês, da vida pregressa desses cavalheiros de cabeça branca ou lisinha que ora se apresentam para nos governar e também os que se apresentam para resistir. Muita coisa antiga da época que só havia muito o “ouvi falar”, mas quase nada era mesmo investigado. Assunto abafado era o termo. Às vezes, escapava, vazava, e algum jornalista conseguia uma boa história, suportava a pressão. Mas, como disse, eles eram jovens, arrogantes, queriam subir na vida e aprenderam política antiga contaminada por populismo.
A essa altura, hoje, já devem ter percebido que as coisas realmente mudaram. Se tiverem consciência da importância do momento e da missão que constroem – e isso a gente pode ficar lembrando a eles todo o tempo – precisam tentar fazer o melhor, o seu melhor, não podem se deslumbrar com cargos e poderes. Já viveram, são raposas, experientes em sua grande maioria.
Vão querer entrar para a história com uma foto melhor na carteira de identidade. Tomara. Tomara. Tomara.
Da mesma forma, e do outro lado, os mais tradicionais dirigentes e militantes parecem crianças novamente se divertindo de voltar a atuar, ser de esquerda, de se manter bem à esquerda, combatendo “golpes”, de agitar, conclamar, ser revolucionário – a única forma que antes todos nós achávamos legal para ficar para a história. Mártires. Mas eles terão um limite, não posso acreditar que – e será uma enorme decepção se o fizerem, como inclusive ameaçam – na Hora H insuflarão mais as massas de manobra, os jovens. Temo porque eles não têm mais tanta energia, e a situação ficaria fora de controle.
Passado esse meu momento otimismo em primeiro grau, me peguei pensando nessas coisas, entrar na história, ficar para a história, passar para a história. Entrar: a marca que deixamos quando fazemos algo marcante, realmente importante. Ficar: o legado de que um ato ou pensamento nosso possa conseguir ser imortal, ser exemplo, servir como guia e lembrança. E, enfim, passar para a história: o reconhecimento de uma ou mais gerações, ou ao menos de algum estudioso que dê a chancela, faça algum registro. Há até os que ganharam feriado, ou o direito de ficar “a vida inteira” sendo festejado no aniversário da morte.
Nos tempos digitais, com a locomotiva do tempo transformando-se em trem bala de forma espantosa, e o google virando verbo, ficou mais fácil e ficou maior esse mundo da tal história. Mais espaçoso, infelizmente talvez também menos criterioso, mas agora todos nós podemos sonhar com isso. Em estar bem na fita. Temos que caprichar é como chegaremos lá e por quais fatos mereceremos ser lembrados eternamente – História é eternamente, um infinito que não tem tamanho.
Nesse exato momento, por linhas tortas ou não, somos a caneta que escreve a história. Mas não posso deixar de ressaltar que a tinta é indelével. Portanto, por favor, redobrem a atenção, escrevam com cuidado, sem arrependimentos, porque esse é exatamente um momento que passará para a história. E não pode ter borrão.
São Paulo, olho em Brasília, Brasil, maio de 2016
(*) Marli Gonçalves, jornalista – Registre-se isso.
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