(*) Carlos Brickmann
Não, não imagine que a turma de Dilma rompeu com a gerenta má por divergências ideológicas ou brigas políticas. Gilberto Kassab jogou com José Serra, com Maluf, com Lula, não estará cheio assim de escrúpulos diante de umas polegadas a mais. Jucá, que já foi Fernando Henrique, Sarney, Lula e Fernando Collor, não estará tão impressionado assim com outro impeachment. Meirelles, que se elegeu deputado pelo PSDB e em seguida virou chefe todo poderoso do Banco Central de Lula, não é radical a ponto de voltar a servir um velho amigo, ainda mais quando há amigos mais velhos a abandonar.
Política é assim. Getúlio Vargas entregou aos nazistas, que a mataram, a mulher de Prestes. Prestes o apoiou na eleições seguintes. Adhemar de Barros que ajudou a derrubar Getúlio, esteve com ele no período seguinte e o ajudou a derrubá-lo de novo.
Certa vez, o Professor Francisco Campos, o Chico Ciência, Ministro de Getúlio, de quem se dizia que quando acendia suas luzes apagava as da democracia, brincou com seus antigos colegas de Ditadura: o Felinto Muller virou social democrata, o Gustavo Capanema virou democrata, o Getúlio virou até de esquerda. O único que continua fascista sou eu.
Não era, como o movimento militar de 1964 mostraria em seguida.
Armando Falcão, Ministro da Justiça de Juscelino, foi Ministro da Justiça da Ditadura, encarregado de calar Juscelino. E até em outros países essas mudanças são comuns: o General Augusto Pinochet, do Chile, tinha o papel de garantir a estabilidade do governo Allende, que acabou derrubando.
Estranhar que o filho de Sarney vire ministro de Temer é injusto. Os Sarney já estiveram com Getúlio, contra Getúlio, com Castelo Branco, contra a continuidade da ditadura, com o próprio Sarney, que virou ele mesmo Presidente da República. Curiosidade a mais: o feroz perseguidor de criminosos Flávio Dino, eleito há pouco Governador do Maranhão pelo PCdoB e contra Sarney, se aliou ao PP para derrubar Dilma, até então aliada de seus partidos. E quem foi o aliado do PCdoB maranhense agora na defesa de Dilma: exatamente, Dino e esse mesmo PP de Paulo Maluf. Houve época que os dois eram contra Sarney.
Há muitos anos, o deputado Clóvis Sobrinho, inteligentíssimo, grande criador de versos populares, braço direito de Adhemar de Barros, explicou a esse jovem repórter como conciliava sua conduta e cultura com a defesa do Adhemarismo. Sobrinho explicou: você já viu casa de pau a pique? Para ficar bem feita, tem a trança e o recheio da parede. Para o recheio ficar bom, precisa ter mistura de fezes humanas. Sem fezes humanas, não funciona.
Em política é assim: sem a mistura das fezes humanas nada fica de pé. Não olhemos a política, portanto, como se fosse religião – a menos que fossem aquelas que só tem santo de pau oco, ótimos para transportar contrabando.
Que ninguém critique, portanto, o vice-presidente Michel Temer por ter rompido sua antiga e sincera aliança com Dilma e esquerdistas como o pessoal da CUT e outras centrais sindicais. Temer é político. Trabalhou com Adhemar de Barros, Montoro, Quércia, Fleury; tornou-se campeão de derrotas no PMDB paulista em disputas por mandatos de deputado. Era presidente do partido e jamais conseguiu controlar Orestes Quércia. Homem culto, grande professor de Direito, educadíssimo, daqueles que jamais falam Boa Noite sem pensar três vezes, jamais fez parte do alto clero político nacional. Mas foi ele que chegou à Presidência da República.
Ele sabe ler as estrelinhas na escuridão dos céus.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.