Realizada nesta quinta-feira (1) no plenário do Senado, a sessão extraordinária para discutir (sic) o projeto que criminaliza o abuso de autoridade serviu apenas para que os participantes despejassem suas opiniões acerca do tema, sem que algum resultado positivo tenha brotado desse encontro quase inócuo.
Na sessão, o presidente do Senado, Renan Calheiros, depois de tentar referendar de forma rasteira o projeto anticorrupção aprovado pela Câmara na calada da madrugada, defendeu a “reflexão”. Traduzindo para o idioma oficial dessa barafunda chamada Brasil, Renan tenta posar de bom moço depois de ter “invadido o saloon atirando para todos os lados”.
O que foi possível depreender dessa sessão extraordinária é que o País está sob uma clara ameaça por parte dos parlamentares, que querem calar o Judiciário e o Ministério Público, como se a ditadura da corrupção fosse o modelo ideal.
Esse quadro ficou visível a partir da discordância entre o ministro Gilmar Mendes, do STF, e o juiz Sérgio Moro (à direita na foto), responsável na primeira instância do Judiciário pelos processos decorrentes da Operação Lava-Jato. Se por um lado Moro afirmou que discutir abuso de autoridade no momento atual é inadequado, por outro Gilmar Mendes disse que a Câmara agiu bem ao desfigurar o pacote anticorrupção.
Como sabem os leitores, o UCHO.INFO sempre defendeu a não espetacularização de investigações, não apenas por comprometer o desenrolar das mesmas, mas porque cria-se um ambiente de demonização dos corruptos, os quais devem ser tratados de acordo com o que determinada a legislação vigente, respeitando-se as garantias fundamentais e o devido processo legal.
Para que não restem dúvidas, somos contra as entrevistas coletivas concedidas pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, pois entendemos que trata-se de um espetáculo com viés da afronta. Não se trata de inviabilizar a publicidade dos fatos, mas de respeitar os direitos e deveres de cada ator do processo. Aliás, quando o processo é considerado público, o mesmo, por definição, pode ser acessado por qualquer representante da sociedade.
No momento em que o desnecessário exibicionismo da força-tarefa da Lava-Jato atingiu níveis elevados, ficou patente que efeitos colaterais surgiriam no vácuo desse movimento marcado pelo vedetismo. E a primeira consequência teve lugar na madrugada de quarta-feira (30), quando de forma sorrateira a Câmara dos Deputados aprovou emenda ao projeto anticorrupção que engessa a Lava-Jato e pune juízes, procuradores e promotores que incorrerem no crime de abuso de autoridade.
O UCHO.INFO mantém sua posição em favor da Operação Lava-Jato, até porque seu editor foi um dos denunciantes do inédito e impressionante esquema de corrupção, o Petrolão, mas é preciso parcimônia na condução dos fatos. Detalhes importantes no âmbito da Lava-Jato passaram despercebidos, enquanto outros sequer foram revirados por falta de competência ou de vontade de quem investiga.
A propositura de um projeto com dez medidas contra a corrupção foi um equívoco, pois não cabe ao Ministério Público Federal legislar, prerrogativa do Legislativo, como o próprio nome sugere. O Brasil já conta com leis para punir corruptos e corruptores, por isso deve ser considerada como precipitação a proposta do MPF que, dizem, é de autoria popular.
Os brasileiros dormiram em berço esplêndido durante longas e cansativas décadas, enquanto gatunos com mandato saqueavam os cofres oficiais. Descoberta a ação das ratazanas da política, a sociedade quer passar o Brasil a limpo da noite para o dia. O que, de chofre, é impossível. Considerando que o combate à corrupção é uma tarefa sem fim, um moto contínuo.
É preciso compreender que acabar com a corrupção de forma definitiva no Brasil é algo semelhante a extirpar um tumor maligno que há anos está incrustado na aorta. Em outras palavras, trata-se de uma decisão complexa, que precisa ser tomada no seu tempo, e de uma operação tão arriscada quanto temerosa. O que não significa que a vida do paciente não deva ser salva.
A Operação Lava-Jato ia muito bem, sem quaisquer intercorrências, mas a nau mudou de rumo quando as autoridades envolvidas decidiram transformar as investigações em um espetáculo digno do parisiense Moulin Rouge. Como diz a sabedoria popular, “quem pariu Mateus que o embale”. Sempre lembrando que a Lava-Jato está, sim, sob risco, ao contrário do que afirmam alguns corpos celestiais que gravitam nos céus do jornalismo nacional.