A delação coletiva da Odebrecht – são 77 delatores – no âmbito da Operação Lava-Jato ainda está em seus primeiros capítulos, mas o estrago provocado no Palácio do Planalto dá sinais de devastação. Depois da notícia sobre o possível pedido de demissão do peemedebista Wellington Moreira Franco, secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o governo foi surpreendido pela decisão do advogado José Yunes, assessor especial da Presidência, de renunciar ao cargo.
Amigo de Michel Temer há pelo menos cinco décadas, Yunes entregou carta de demissão no início da tarde desta quarta-feira (14).
“Nos últimos dias, Senhor presidente, vi meu nome jogado no lamaçal de uma abjeta delação, feita por uma pessoa que não conheço, com quem nunca travei o mínimo relacionamento e cuja existência passei a tomar conhecimento, nos meios de comunicação, baseada em sua fantasiosa alegação, pela qual teria eu recebido parcela de recursos financeiros em espécie de uma doação destinada ao PMDB”, escreveu José Yunes. “Repilo com a força de minha indignação essa ignominiosa versão”, completou o agora ex-assessor.
Há no Palácio do Planalto um evidente clima de tensão por causa da delação de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht. O motivo é a afirmação de Melo Filho sobre o pedido de Temer para que a empreiteira doasse R$ 10 milhões ao PMDB, sendo que parte desse valor foi entregue no escritório de advocacia de José Yunes, em São Paulo.
Em depoimento, Melo Filho ressalta que há “elementos relevantes” de prova, como “ligações telefônicas”. Ressalta que “os dados de corroboração são fortes e permitem que a investigação vá bem além daquilo que o simples acesso ao sistema (de pagamentos) da empreiteira pode permitir”.
Se o ex-diretor da Odebrecht refere-se a gravações telefônicas, por certo a situação é de extrema gravidade. No caso de a referência ser em relação a meros telefonemas, a delação tem tudo para ser rejeitada.
Na carta de demissão endereçada da Temer, o advogado José Yunes ressalta que “seria uma honra ajudar o amigo de 50 anos a colocar o País nos trilhos, após a hecatombe que arrasou a economia”.
“Para preservar minha dignidade e manter acesa a chama cívica que me faz acreditar nos imensos potenciais de meu país, declino, Senhor Presidente, do honroso cargo de assessor da Presidência, sem, porém, abdicar da admiração e da amizade que nos une desde os heróicos tempos nas Arcadas do Largo de São Francisco”, escreveu Yunes.
É preciso destacar que, muito estranhamente, os depoimentos dos delatores da Odebrecht estão sendo reescritos de acordo com a conveniência dos procuradores da República, que insistem em substituir a palavra pagamento por propina. O que pode suscitar arguição de nulidade dos depoimentos e, ato contínuo, das provas colhidas nas investigações.
O presidente da República considerou a decisão do amigo como “gesto de grandeza”, enfatizando que não deseja que a “amizade entre os dois seja objeto de exploração”.
Ainda na carta e demissão, Yunes emendou: “Como advogado e pai de família, que zela pelo dever de agir como cidadão sob os valores da honra e do zelo pela expressão da verdade, em respeito à minha família, aos amigos e aos concidadãos, não posso ver meu nome enxovalhado por irresponsáveis denúncias de figurantes com quem nunca tive qualquer contato direto ou por terceiros”.
O clima tenso na sede do Executivo é tamanho, que não causará surpresa se novas baixas ocorrerem nas próximas horas. Comenta-se nos bastidores que, além de Moreira Franco, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, poderá deixar o cargo em breve.