Há uma clara disposição da classe política para desmoralizar a Polícia Federal a partir da Operação Carne Fraca, deflagrada na última sexta-feira (17) e que provocou estragos momentâneos nas exportações brasileiras de proteína animal. A ação orquestrada pelos políticos pode levar a opinião pública a acreditar que a Operação Lava-Jato também deve ser questionada de maneira idêntica, principalmente porque ambas as operações estão sob o comando do mesmo departamento da PF.
É preciso reconhecer que foram cometidos erros de comunicação na divulgação da Carne Fraca. Em questão de números, a operação é possivelmente uma das maiores já deflagradas pela PF, pois foram expedidos 309 mandados, sendo 37 de prisão. Contudo, não se pode aceitar a tese de que as empresas investigadas não têm culpa e que os fiscais agropecuários cobravam propina por fanfarronice. Algo errado havia para que a corrupção prosperasse. Afinal, nenhuma empresa paga propina por cumprir a legislação.
As denúncias feitas no âmbito da operação da PF são graves e devem ser investigadas a fundo, mesmo que a suspeita de uso de carne deteriorada no processamento de embutidos não se confirme. O simples fato de empresas reembalarem produtos para dar sobrevida ao prazo de validade dos mesmos é um fato gravíssimo e que precisa ser punido com o rigor da lei, já que configura crime contra a saúde pública. Esse procedimento pode ter ocorrido com produtos destinados ao mercado interno, mas também com os destinados à exportação.
Para compreender esse movimento contra a Operação Carne Fraca é necessário conhecer os meandros da política nacional e a queda de braços que marca as disputas partidárias nos estados. Na tarde desta terça-feira (21), a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), ex-ministra da Agricultura no governo Dilma, disse que enquanto esteve no cargo foi pressionada por deputados peemedebistas para manter o principal operador do esquema criminoso, Daniel Gonçalves Filho, na superintendência regional da pasta no Paraná.
No plenário do Senado, a senadora não mencionou os nomes dos deputados, mas em seguida acabou declarando que a pressão teria sido exercida por Osmar Serraglio, atual ministro da Justiça, e Sérgio Souza, ambos do PMDB do Paraná. É importante esclarecer que Gonçalves Filho ascendeu ao posto de superintendente regional do Ministério da Agricultura por indicação do então deputado federal Moacir Micheletto (PMDB-PR), morto em 2012.
Kátia Abreu foi covarde ao ultrajar a própria consciência, pois se de fato os deputados intercederam em favor de Daniel Gonçalves Filho para que o mesmo não fosse apeado do cargo, a senadora deveria ter explicado por qual razão, enquanto ministra da Agricultura, nomeou-o para comandar a superintendência da pasta no Paraná. E a então ministra conviveu com Gonçalves Filho durante mais de seis meses. Há algo estranho na ordem dos fatos.
Quem conhece Kátia Abreu sabe que trata-se de pessoa radicalmente avessa a pressões e que raríssimas vezes cede às mesmas. Na verdade, a parlamentar é dona de comportamento impostor, que muitas vezes chega a assustar os próprios interlocutores. Tudo no melhor estilo “um jeito estúpido de ser”. Sendo assim, falar em pressão exercida por deputados é conversa fiada da pior qualidade.
No rastro da polêmica que se formou a partir da Operação Carne Fraca há muitos interesses em jogo, em especial políticos e empresariais. Algumas das empresas investigadas são conhecidas doadoras de campanha, tanto no caixa oficial quanto no caixa 2. Isso faz com que políticos tornem-se reféns dessas empresas e adotem discursos em favor das mesmas, as quais começam a acumular prejuízos milionários por conta da suspensão de vários contratos de exportação de carne.
Na seara política os interesses são igualmente covardes e o jogo muito mais bruto e rasteiro do que se pode imaginar. Então crítica ácida e feroz do governo do PT e relatora do projeto que derrubou a CPMF, Kátia Abreu misteriosamente tornou-se amiga íntima de Dilma Rousseff, como se cultivassem amizade de décadas. Dilma foi madrinha de casamento da senadora peemedebista.
Por conta dessa proximidade repentina com Dilma, Kátia Abreu transformou-se em adversária de primeira hora do governo de Michel Temer, mesmo sendo filiada ao PMDB. Esse discurso contundente e moralista da senadora contra os deputados paranaenses tem todos os ingredientes para ser mais uma missa encomendada de Roberto Requião (PMDB). Conhecido no estado sulista como “Maria Louca” por causa de seus seguidos rompantes e descontroles, Requião não apenas faz oposição ferrenha e declarada ao governo Temer, mas trabalha intensamente para minar o avanço político de Osmar Serraglio no Paraná.