(*) Ucho Haddad
Em algumas ocasiões, muito raramente, me perguntei por qual razão retornei ao Brasil. Óbvio que sabia a resposta, mas esse questionamento era uma forma de espantar a indignação que por vezes turvava a visão que tinha da possibilidade de mudança. Tudo voltava ao normal, clareava novamente em questão de segundos.
Como canta Jorge Ben, que há muito incorporou o Jor ao nome, aqui é um país tropical abençoado por Deus, bonito por natureza e que em fevereiro tem carnaval, tem até uma nega chamada Tereza. Mas nos últimos tempos tem sobrado ódio para todos os lados nessa barafunda, como se a intolerância fosse o ritmo da vez. E se Deus aterrissasse por aqui, resultado de algum descuido, sairia correndo, porque tem gente dizendo que andar armado é um direito bíblico. Senhor, escutai pelo menos a minha prece!
De novo, a pergunta: por qual razão voltei? Mas tudo passa num piscar de olhos, pois sei a resposta. Tudo passa porque acredito na possibilidade de mudança através do bom senso, apesar de o cotidiano apontar na direção oposta. Voltei porque aqui nasci, porque é a terra dos meus pais, porque é a dos meus filhos também, porque desejo o melhor para os meus conterrâneos, inclusive para aqueles que a mim desejam o mal. Sei, contudo, que aqui não é mais o meu lugar. Há muito deixou de ser.
Embora fui tantas vezes – o que me deu uma visão ampla, flexível e tolerante da vida e do mundo –, que não descarto ir mais uma vez. Há alguns bons punhados de gente torcendo para que isso ocorra o quanto antes, pois em época de histeria eleitoral o jornalismo coerente é insuportável, mas, como diz Zagallo, o “Velho Lobo”, “vocês ainda terão de me engolir” por mais algum tempo. E aqui vai o meu usual bordão: Lamento!
Imagino a gastura consumindo um convertido que se depara com a realidade dos fatos esparramada em um texto coerente, isento, com começo, meio e fim (os leitores com massa cinzenta é que dizem isso a respeito dos meus escritos). Por convicção burra e equivocada, o convertido é impelido a rejeitar o que lê. Não deve ser fácil. O conflito é tamanho, que para não destoar dos seus iguais – os convertidos –, o cidadão vê-se na obrigação de atacar quem simplesmente exercitou a coerência, sem ter sido tendencioso até mesmo na vírgula. E dá-lhe ofensas de todos os naipes. Paciência, esse é o Brasil do momento, que vai adiante à base de chutes, pontapés, “butinadas”, tiros e continências.
Pouco importa a coerência, a fidelidade aos fatos, a crítica mais contundente, a análise lógica, porque a ordem da vez é ungir alguém capaz de defenestrar a esquerda do cenário político nacional. Como sempre escrevo, digo por onde ando e não canso de repetir, o ortodoxismo, como um todo, é deveras assustador. Assim como uma balança sem contrapeso é extremamente perigosa. E o que se propõe nesse período de obscuridades é mandar a democracia pelos ares – dane-se o necessário equilíbrio de forças – e atear fogo no circo.
Desde os 8 anos leio diariamente sobre política, há mais de quarenta anos estou jornalista, há pelo menos 35 anos dedico-me ao jornalismo político e investigativo. Em suma, estou a léguas de distância de ser um estreante na profissão, o que me dá um pouco de tranquilidade para escrever. Talvez ainda não tenha apreendido o ofício, mas nunca é tarde para aprender. E tem gente de sobra querendo me ensinar…
Não tenho político de estimação. Na verdade, de estimação mesmo apenas a coerência, mas percebi que isso muitas vezes incomoda, principalmente em tempos de intolerância máxima. Tudo pode, desde que não seja contra “um”. Se fugir desse script, milhões de outros surgem na contramão, como uma manada enfurecida e disposta a tudo. Esse é o novo jeito da democracia verde-loura. Vara-de-condão em punho, os convertidos invertem os polos e transformam uma verdade incontestável em mentira suprema. E que ninguém ouse contestá-los, porque do contrário o dicionário do lupanar será folheado às pressas.
O embate entre direita e esquerda que ora toma conta do Brasil com maior ênfase chega a ser torpe e abjeto. Leva a nada, a lugar a algum. Tomo por base a lógica cartesiana para tal afirmação. Saindo de um ponto e virando sempre à direita, a proeza maior que se alcança é retornar ao ponto de partida. O mesmo vale se virar sempre à esquerda. Qual é a vantagem, se a ordem é andar para frente?
Retorno aos meus escritos… À sombra da coerência, jamais fiz jornalismo sob tutela ou guiado por essa ou aquela ideologia. Fiz e faço jornalismo, ponto final. Reconheço que é difícil agradar a todos, ainda bem, por isso sempre estou preparado para algumas reações mais efervescentes. Porém, ultimamente a intolerância dos convertidos passou dos limites, estourou o velocímetro do aceitável, da plausibilidade. Mesmo assim, não me curvo diante desse espetáculo marcado pela ignorância.
Ao criticar a esquerda, com responsabilidade e coerência, calibro a mão da mesma forma que faço ao criticar o tosco candidato da direita. A esquerda assimila minhas críticas com certa tranquilidade, mesmo com alguma reação em momentos pontuais. É possível que essa quase passividade esquerdista seja resultado de mais de uma década de seguidos desmandos sendo alvo da minha atuação firme e persistente como jornalista combativo.
Em relação às críticas dirigidas ao radical candidato da direita, os convertidos rebelam-se com impressionante rapidez e injustificada indignação diante de qualquer adjetivo que possa comprometer a sua imagem. No mínimo interessante, pois os mesmos que cobram o emprego de palavras singelas nas críticas ao imaculado valem-se de elogios (sic) como ladrão, vagabunda e outros mais ao comentar matérias da minha lavra com críticas à esquerda. Em outras palavras, para os convertidos o “pau que bate em Chico não pode bater em Francisco”. Mas de mim os hipócritas ousam cobrar isenção, mesmo sendo eu isento.
Ora, não mudarei o jeito de escrever para referir-me alguém que, arrastado pelo despreparo, insiste em fazer mossa, enquanto avança como candidato apenas porque abusa do maniqueísmo e jacta-se de um pensamento binário que provoca náuseas. Coerente e isonômico que sou, trato Chico e Francisco do mesmo modo, sem falsa candura, mas com a caneta carregada de tinta.
Sei que o texto que ora chega ao fim acenderá a centelha do discurso de ódio, até porque os convertidos têm o compromisso de não se render à lógica e ao bom senso, mas é preciso dar um desconto, pois histeria eleitoral não há divã que resolva nem Freud seria capaz de explicar.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.