(*) Ucho Haddad
A estupidez e o desapreço pela democracia fazem parte do DNA do clã Bolsonaro, que age de forma meticulosamente coordenada para atentar contra o Estado de Direito e a legislação vigente no País. Considerando o adágio popular que garante que o fruto não cai longe da árvore, é confissão de inocência esperar comportamento minimamente razoável por parte dos integrantes da dinastia que tem levado o Brasil ao ridículo durante a maior parte do tempo.
Jair Bolsonaro, que chegou à Presidência da República na esteira de um discurso mentiroso e emoldurado pelo falso moralismo, jamais nutriu apreço pela democracia e pela liberdade, algo comprovado com facilidade por sua trajetória política, sempre marcada por polêmicas e defesa dos regimes de exceção. O que explica sua obsessão em homenagear ditadores e torturadores.
Sempre flertando com o retrocesso e o obscurantismo, Bolsonaro usa o cargo para dar vazão à sua essência autoritária, o que pode levar o Brasil a um período que muitos acreditavam que jamais teria direito a bis. Há muito afirmo que Jair Bolsonaro, em algum momento, tentará aplicar um “cavalo de pau” na democracia brasileira. Os insanos apoiadores dessa figura tosca que chegou ao mais alto posto da nação creem que essa investida contra a democracia é o melhor remédio para o País.
Ignorante, mas longe de ser imbecil, Bolsonaro recorre a balões de ensaio sistemáticos para testar a aceitação de suas estultices, muitas das quais só encontram eco na turba de seguidores que faz com que o presidente continue em campanha, quando já deveria estar governando. Sem competência e estofo para cargo de tamanha relevância e responsabilidade, o presidente lança mão desse expediente para manter intacta a súcia que lhe dedica blindagem questionável.
Como se a Presidência fosse o armazém de secos e molhados da esquina mais próxima, Bolsonaro delega aos filhos as tarefas inglórias do cargo, como, por exemplo, ataques covardes a colaboradores que não rezam pela cartilha oficial, proposição de medidas que fogem à democracia, manobras escusas para esconder o que deveria ser transparente. Esse engendrado plano passa pela interferência do presidente em órgãos de fiscalização, estratégia que tem colocado a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e o antigo Coaf (Agora Unidade de Inteligência Financeira) na mira das críticas da opinião pública.
Decidir o futuro de um país não é tarefa que se pode executar como se estivesse ao redor de uma mesa de botequim, discutindo com os filhos, entre gargalhadas toscas e deboches aos adversários políticos, o que fazer com as questões que afligem a sociedade. É preciso doses elevadas de competência e responsabilidade, mercadorias que faltam nas prateleiras do clã que continua acreditando ser dono do Brasil.
Enquanto recupera-se de cirurgia, o que o mantém afastado da Presidência, Bolsonaro terceiriza a estupidez diária, dando a cada um dos filhos políticos missões que atentam de forma flagrante contra a democracia. O mais célere no cumprimento da tarefa é Carlos Bolsonaro, o 02”, que não se incomoda com as consequências de seu pensamento bizarro. Conhecido como alguém de temperamento explosivo, Carluxo é a “ponta de lança” do presidente da República quando o assunto é acenar para o totalitarismo.
Em sua conta no Twitter, Carlos Bolsonaro não deixou dúvidas sobre uma possível guinada na democracia. “Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos… e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!”, escreveu o temperamental filho de Bolsonaro na rede social.
Alguém há de dizer que a mencionada postagem foi interpretada fora de contexto, mas esse discurso malemolente não convence quando na proa da discussão está a família Bolsonaro. Até porque, Eduardo Bolsonaro, o candidato a embaixador, já disse que para fechar o Supremo Tribunal Federal são necessários apenas um soldado e um cabo. Em mais uma pilhéria, Eduardo desafiou a Corte ao dizer que sequer seria preciso um jipe para levar a missão adiante.
Voltando ao destampatório do Carluxo… Recorrendo ao bordão rasteiro usado pelos enfurecidos bolsonaristas, se a família do presidente está descontente com a democracia brasileira, que faça as malas e mude-se para algum país adepto do totalitarismo ancorado pela extrema direita, com quem os Bolsonaros se identificam com muita facilidade.
Que a irresponsável declaração de Carlos Bolsonaro provocaria reações no universo político já era esperado, mas causa espécie o silêncio do presidente da República, que poderia ter rebatido a descabida afirmação com postagem nas redes sociais. Refém dos filhos, em especial do “02”, Bolsonaro mais uma vez exalou sua conhecida covardia.
É difícil saber quem é mais irresponsável – o pai ou o filho –, mas é preciso reconhecer que Jair e Carluxo disputam o troféu da covardia. Enquanto o presidente da República permanece calado, o que configura monumental covardia, o vereador carioca usa a vitimização para explicar o inexplicável. Novamente atacando os jornalistas, a quem chama de “canalhas”, Carluxo, do alto da sua arrogância, alega que a imprensa está a divulgar ser ele um defensor da ditadura.
“O que falei: por vias democráticas as coisas não mudam rapidamente. É um fato. Uma justificativa aos que cobram mudanças urgentes. O que jornalistas espalham: Carlos Bolsonaro defende ditadura. CANALHAS!”, escreveu o filho em sua conta no Twitter.
Se Carlos Bolsonaro desempenha com maestria e de forma desavergonhada o papel de proxeneta das bizarrices do pensamento do pai, que assuma a responsabilidade pelo que faz e aceite os efeitos colaterais de suas decisões, sem insinuar que os jornalistas sofrem de problemas de interpretação de texto. Quem leu sua polêmica postagem não demorou a compreender aquilo para o que venho alertando há muito tempo: com Bolsonaro a democracia corre perigo diuturnamente.
No momento em que o Brasil, paralisado em todos os quesitos, precisa resgatar a confiança dos investidores, o filho do presidente lança uma ideia esdrúxula que serve apenas para aumentar a instabilidade política, comprometendo ainda mais a busca por uma solução para os muitos problemas que imperam nos quatro cantos do País.
Se por um lado os Bolsonaros lançam factoides a esmo na esperança de que o conceito do totalitarismo caia nas graças dos brasileiros, por outro começa a surgir no meio político um cenário capaz de abrir caminho para um pedido de impeachment do presidente da República, que em diversas ocasiões, em pouco mais de oito meses de governo, incorreu em crime de responsabilidade.
Como escreveu o poeta e dramaturgo britânico Oscar Wilde (1854–1900), “os loucos às vezes se curam, os imbecis nunca”. Talvez a família do presidente tenha dificuldades para compreender o significado da frase em questão, até porque o apreço pelo totalitarismo é alimentado pela imbecilidade, mas é preciso continuar acreditando que milagres, mesmo que raros, acontecem.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.
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