Depois de perder a queda de braço com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, no caso do eventual desmembramento da pasta, o presidente Jair Bolsonaro precisava, ao retornar da Índia, demonstrar firmeza e poder, como forma de não deteriorar seu capital político, que passou a esfarelar desde que passou a pelear publicamente com o ex-juiz da Operação Lava-Jato.
Recorrendo a mais uma investida populista, Bolsonaro anunciou a exoneração do secretário-executivo da Casa Civil, Vicente Santini, que usou um jato da Força Aérea Brasileira (FAB) para voar da Suíça para Nova Delhi, enquanto ministros responsáveis por outras pastas fizeram o mesmo trajeto a bordo de aviões comerciais. Santini, que respondia interinamente pela pasta em razão das férias do titular, Onyx Lorenzoni, torrou aproximadamente R$ 900 mil dos cofres públicos com o uso do jatinho da FAB.
Trata-se de um escárnio que deve ser evitado e, respeitadas as regras de governança, precisa ser punido exemplarmente, mas é importante ressaltar que outros ministros também adotaram prática idêntica, sem que qualquer punição tivesse sido cogitada pelo presidente da República ou assessores.
Desde o início do governo Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019, 13 ministros utilizaram jatos da FAB em viagens ao exterior. O campeão dessa farra com os aviões oficiais é o chanceler Ernesto Araújo, que viajou 22 vezes ao exterior nas asas da FAB. NA sequência desse ranking da vergonha aparecem os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Osmar Terra (Cidadania), Tereza Cristina (Agricultura) e Fernando Azevedo (Defesa), com três viagens cada.
Integrantes da FAB afirmam que o uso das aeronaves oficiais para voos internacionais não está previsto na legislação, pois o decreto que regulamenta o tema, de 2002, dispõe sobre o transporte de autoridades no País, sem mencionar viagens ao exterior. Mesmo assim, seguindo a máximo do Direito de o que não é explicitamente permitido não é proibido, a interpretação o texto do decreto não é consenso no governo. Sendo assim, os aviões da FAB são regularmente utilizados em viagens internacionais de autoridades.
Antes que algum afoito nos acuse de defender servidores do governo que arremessam o suado dinheiro público na fogueira, lembramos que no primeiro governo Lula coube-nos puxar a fila das reportagens sobre a farra com os aviões da FAB. Sendo assim, que ninguém ouse nos apontar o indicador indevidamente.
Outrossim, a fanfarronice acionada por Bolsonaro para anunciar a exoneração de Vicente Santini é no mínimo fruto do seu populismo barato. “O que ele fez não é ilegal, mas é completamente imoral. Ministros antigos foram de avião comercial, classe econômica. Eu mesmo já viajei no passado, não era presidente, para a Ásia toda de classe econômica”, disse o presidente.
Jair Bolsonaro pode dizer o que bem entender, até porque a Constituição Federal garante a todos os cidadãos, sem exceção, a livre manifestação do pensamento, mas é importante relembrar que por ocasião do casamento do deputado federal Eduardo Bolsonaro, no Rio de Janeiro, convidados e familiares do presidente da República usaram um helicóptero da FAB para chegar ao local da cerimônia. A aeronave, um helicóptero H-36 Caracal, saiu do aeroporto de Jacarepaguá e pouso no aeroporto Santos Dumont, no centro da capital fluminense. Isso porque os convidados não quiseram percorrer a distância de 35 quilômetros de carro.
A questão não é defender o agora ex-secretário-executivo da Casa Civil, mas cobrar isonomia na análise dos casos. Se para uma viagem a serviço do governo um servidor da Casa Civil foi punido com a exoneração, alguém no Palácio do Planalto precisa reclassificar o uso do helicóptero da FAB no casamento do filho do presidente da República.