Não é a primeira vez que o presidente Jair Bolsonaro tenta transferir aos governos estaduais a responsabilidade pelo alto preço dos combustíveis. Essa investida, que se repetiu no domingo (2), não passa de uma estratégia populista e rasteira, típica de quem não conhece a estrutura tributária do Estado, como um todo.
Em sua conta no Twitter, Bolsonaro anunciou que pretende enviar ao Congresso Nacional uma proposta para alterar a forma de cobrança do ICMS incidente sobre a gasolina e o diesel. A ideia do presidente é fazer chegar ao consumidor os cortes promovidos pela Petrobras nas refinarias.
Na publicação, o presidente sugere a incidência de uma alíquota fixo de ICMS por litro de combustível, abandonando o cálculo do imposto sobre a média de preço cobrado nos postos.
“Os governadores cobram, em média, 30% de ICMS sobre o valor médio cobrado nas bombas dos postos e atualizam apenas de 15 em 15 dias, prejudicando o consumidor”, escreveu Bolsonaro.
O presidente da República deveria ser informado por sua assessoria que questões relacionadas ao ICMS são de competência dos governos estaduais, não cabendo ao Palácio do Planalto qualquer tipo de ingerência nessa seara.
Ademais, interferir na questão da cobrança do ICMS incidente sobre os combustíveis é empurrar os governos estaduais na direção da insolvência, já muitas das unidades da federação estão sobre o fio da navalha do orçamento oficial.
Governadores de vários estados reagiram à proposta absurda de Bolsonaro, afirmando que o ICMS é a principal fonte de receita para a manutenção de serviços essenciais à população, como segurança, saúde e educação. Apenas para exemplificar, universidades estaduais têm seus orçamentos atrelados à arrecadação do ICMS. Ou seja, qualquer mudança afetará a educação, assim como outros tantos serviços essenciais prestados estados aos cidadãos.
Os governadores divulgaram uma carta conjunta para rebater a proposta de Bolsonaro, afirmando que o debate sobre o ICMS precisa ser realizado com responsabilidade e no fórum adequado. E certamente esse fórum não é o Palácio do Planalto, que deveria rever a “mordida” do governo federal nos preços dos combustíveis. Ao fingir que o governo federal nada tem a ver com o problema, Bolsonaro mostra sua disposição de fazer cortesia com o chapéu alheio.
“Os Governadores têm enorme interesse em viabilizar a diminuição do preço dos combustíveis. No entanto, o debate acerca de medidas possíveis deve ser feito nos fóruns institucionais adequados e com os estudos técnicos apropriados”, destaca a carta, divulgada pelo governo de São Paulo.
Assinaram a carta os governadores dos seguintes estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Amapá, Piauí, Sergipe, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Pará, Santa Catarina, Paraná, Alagoas, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Roraima, Ceará, Amazonas, Minas Gerais, Pernambuco e Distrito Federal.
Confira abaixo a íntegra da carta:
“Posicionamento de vinte e dois governadores em relação ao ICMS sobre combustíveis:
Os Governadores dos Estados têm enorme interesse em viabilizar a diminuição do preço dos combustíveis. No entanto, o debate acerca de medidas possíveis para o atingimento deste objetivo deve ser feito nos fóruns institucionais adequados e com os estudos técnicos apropriados.
Diante da forma como o tema foi lançado pelo Presidente da República, exclusivamente por intermédio de redes sociais, cumpre aos Governadores esclarecer que:
1. O ICMS está previsto na Constituição Federal como a principal receita dos Estados para a manutenção de serviços essenciais à população, a exemplo de segurança, saúde e educação.
2. O ICMS sobre combustíveis deriva da autonomia dos Estados na definição de alíquotas e responde por, em média, 20% do total da arrecadação deste imposto nas unidades da Federação. Lembramos que 25% do ICMS é repassado aos municípios.
3. Segundo o pacto federativo constante da Constituição Federal, não cabe à esfera federal estabelecer tributação sobre consumo. Diante do impacto de cerca de 15% no preço final do combustível ao consumidor, consideramos que o governo federal pode e deve imediatamente abrir mão das receitas de PIS, COFINS e CIDE, advindas de operações com combustíveis.
4. O governo federal controla os preços nas refinarias e obtém dividendos com sua participação indireta no mercado de petróleo – motivo pelo qual se faz necessário que o governo federal explique e reveja a política de preços praticada pela Petrobras.
5. Os Estados defendem a realização de uma reforma tributária que beneficie a sociedade e respeite o pacto federativo. No âmbito da reforma tributária, o ICMS pode e deve ser debatido, a exemplo dos demais tributos.
6. Nos últimos anos, a União vem ampliando sua participação frente aos Estados no total da arrecadação nacional de impostos e impondo novas despesas, comprimindo qualquer margem fiscal nos entes federativos.
Os Governadores dos Estados clamam por um debate responsável acerca do tema e reiteram a disponibilidade para, nos fóruns apropriados, debater e construir soluções.
Brasília, 3 de fevereiro de 2019”.