É impossível acreditar em mudanças em âmbito nacional em um país cujos políticos começam a pensar na eleição seguinte meses após serem eleitos. Para tal, usam de todos os expedientes, na maioria rasteiros e oportunistas, para viabilizar candidaturas futuras, sendo que o custo desse cenário sempre acaba no bolso do contribuinte, seja direta ou indiretamente.
Quando concorreu à Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro garantiu que não disputaria a reeleição, repetindo o mantra mentiroso de todo candidato. Contudo, já instalado no cargo e experimentando as benesses do poder, Bolsonaro mudou de ideia e passou a agir como candidato à reeleição, com quase quatro anos de antecedência. Para isso, o presidente começou a investir contra possíveis adversários, como se o Brasil não precisasse de alguém na Presidência com capacidade e disposição para buscar soluções para os muitos problemas existentes.
Nesta quinta-feira (6), o presidente prometeu dar um “cartão vermelho” a ministros e assessores que usarem os respectivos para promoção eleitoral. Isso serve apenas para os assessores e colabores de Bolsonaro, pois ele próprio pode usar o cargo para impulsionar sua candidatura à reeleição com mais de três anos de antecedência, mesmo que a reboque de propostas irresponsáveis e pueris.
Disposto a aniquilar a possibilidade de João Dória Júnior e Wilson Witzel, governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente, de concorrerem ao Palácio do Planalto em 2022, Bolsonaro anunciou que enviará ao Congresso Nacional projeto que muda as regras do ICMS incidentes sobre o preço dos combustíveis.
Bolsonaro, que já admitiu publicamente ser um despreparado nos mais variados temas, a começar pelos relacionados à economia, sequer consultou o ministro Paulo Guedes (Economia) sobre a possibilidade de zerar os impostos federais incidentes sobre os combustíveis, como prometeu no desafio que fez aos governadores.
O presidente, como cidadão, tem o direito constitucional de externar livremente seu pensamento, mas na condição de chefe de Estado não pode levar os estados à bancarrota apenas para contemplar um projeto político-eleitoral que é um atentado à lógica.
Como já afirmamos em matéria anterior, exigir que os governos estaduais zerem o ICMS incidente sobre os combustíveis é decretar a falência de todas as unidades da federação, além de ser uma demonstração inequívoca de despreparo do presidente da República, já que desconhece como se dá a destinação e a repartição do mencionado imposto.
Todos os estados brasileiros têm no ICMS sua maior fonte de receita, sendo que 25% do valor arrecado são destinados aos municípios. O restante (75%) é empregado no custeio dos serviços essenciais prestados pelos estados aos cidadãos (saúde, segurança e educação, entre outros) e direcionado ao Judiciário, ao Legislativo e aos Tribunais de Conta.
Além disso, Bolsonaro, ao prometer zerar os impostos federais incidentes sobre os combustíveis, demonstra disposição para mandar pelos ares R$ 29 bilhões por ano. Para um governo que bradou aos quatro cantos a necessidade de fazer o ajuste fiscal, como de fato era necessária e ainda é, acenar com a possibilidade de mandar para o lixo um aproximadamente um terço do déficit primário de 2019 (R$ 95 bilhões) é no mínimo irresponsabilidade.
A persistência de Bolsonaro em relação ao projeto que muda as regras do ICMS é picuinha político-eleitoral que não interessa ao País. Após João Dória dizer que o presidente abusava de bravatas e fazia populismo ao tratar do tema, Bolsonaro rebateu afirmando que não se trata de populismo, mas de “vergonha na cara”.
Em resumo, decreta-se a falência dos estados apenas porque Bolsonaro não pode ser contrariado. Se isso não for um ensaio para o totalitarismo, que alguém explique o que é.