Saída de Mandetta, entrada da incerteza

(*) Gisele Leite

Sai o ortopedista e entra o oncologista. O Ministério da Saúde é alvo de mudanças em plena pandemia do Covid-19. O filósofo Achille Mbembe já alertava com propriedade sobre os gestores públicos da saúde oriundos da elite, aquela muito bem descrita por Jessé Souza na obra “A Elite do Atraso”.

Aliás, tais elites quando indicada para gerenciar negócios públicos prioriza os interesses de que os indicou. E, naturalmente, o respeitado oncologista já falou que está totalmente alinhado com Messias governamental.

Certamente, em breve, vai-se flexibilizar o isolamento horizontal e, se adotar a modalidade vertical que se restringe aos idosos e portadores de doenças que os vulnerabilizam ante o famigerado coronavírus.

Mas, apesar de saber que todos um dia, irão morrer. E, que morrer talvez seja a única certeza razoável que temos em nossa parca existência perante o universo… Temos que temer a chamada necropolítica que é aquela que escolhe deliberadamente quem vai morrer e quem vai viver. Quem terá êxito que sobreviver à pandemia e quem não passará de mero número na estatística.

Aliás, o retrocitado filósofo camaronês afirmou que a pandemia democratizou o poder de matar. E, a comprovação real de que existe a necropolítica é o fato que nos EUA que hoje lidera no ranking de mortos e afetados pela virose fatal, atinge em sua maioria os negros e pobres.

O que fez o digníssimo presidente da Nação foi em sua conduta (idas à padaria, à farmácia e até manifestações) foi contradizer a recomendação do Ministério da Saúde entrando em confronto direto com Mandetta. Que como pessoa decente não cedeu aos ímpetos narcísicos do Chefe.

Aliás, é preciso lembrar que o sistema capitalista é mesmo baseado na distribuição desigual da oportunidade de viver e morre. E, nessa lógica, o sacrifício sempre coroou o neoliberalismo que doravante pode até se alcunhar de necroliberalismo.

Ademais, o isolamento social, nesse momento, que não se pretende que seja eterno e nem habitual, nos fornece relativo poder em contenção da disseminação virótica.

O presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia afirmou que Mandetta deixa um legado, registrando setenta e seis porcento de aprovação popular, e apesar das divergências explícitas com o comandante, não se acovardou. Na saída, Mandetta teve a decência de agradecer a toda sua equipe, principalmente os contumazes servidores do referido Ministério, e, ainda adotou tom conciliatório, para o que seria considerado um divórcio amistoso.

Para o Presidente, a crise do coronavírus parece que começa a ir embora. Porém, Mandetta como era defensor do isolamento social, desancou a orientação presidencial e, ainda, elogiou outros Executivos da federação, tais como prefeitos e governadores que adoram medidas severas para o combate do Covid-19.

Convém lembrar também que no dia 15 de abril, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal declarou que os governadores e prefeitos têm poderes para baixar medidas restritivas no combate ao coronavírus em seus respectivos territórios. Endossando que podem determinar temporariamente o isolamento social, a quarentena, o fechamento de comércio e a restrição de locomoção por portos e rodovias.

E, ainda concordaram os ministros que o governo federal também pode tomar medidas para conter a pandemia, em casos de abrangência nacional. O caso foi apresentado pelo PDT após o governo baixar a Medida Provisória 926, que restringia a ação de governadores em tomar ações preventivas ao novo coronavírus.

Seguindo o mesmo entendimento, o STJ negou o pedido para interromper monitoramento por celular em São Paulo, a capital brasileira com maior número de mortos e infectados no país. Convém lembrar que apesar de ser direito fundamental de ir e vir, assim como quaisquer outros direitos fundamentais não vigem de forma irrestrita, principalmente em detrimento da supremacia da ordem pública.

Também não ponderou sobre o uso da cloroquina que ainda está em teste, sendo causadora de sérios efeitos colaterais. Enfim, a república brasileira pelo menos contou com a hombridade de quem respeita a ciência, a OMS e, pensa na defesa da vida em primeiro lugar. Sem vida, não há empregos. Sem vida, não há produtividade. Sem vida, não há eleitores, e eleitos… Enfim, sem vida, não estaríamos aqui a presenciar a dinâmica do abismo.

A comunidade médica brasileira teme que com a queda de Mandetta se afrouxe irresponsavelmente o isolamento social. Enfim, devemos continuar seguindo as diretrizes da OMS, conforme acontece no restante do mundo.

Parodiando a biógrafa de Voltaire, a escritora Evelyn Beatrice Hall, que deduziu a seguinte frase: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. Simbolizando o direito de livre expressão. E, ainda sob o pseudônimo de Stephen G. Tallentyre, a mesma autora teria criado esta sentença para enfim sintetizar o pensamento de Voltaire na biografia intitulada “The Friends of Voltaire”, de 1906.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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