A volta do cipó de aroeira

(*) Carlos Brickmann

O presidente Bolsonaro foi agressivo, radical, mas o texto de seu discurso se manteve dentro da lei. Entretanto, compareceu a uma manifestação pelo fechamento do Congresso e do Supremo, pela intervenção militar, pela volta do Ato Institucional nº 5, que marcou o mais terrível momento da ditadura, ouviu os gritos exigindo a ditadura, sem rejeitá-los, e participou do ato.

É provável que tenha errado o cálculo, e percebido o erro: no dia seguinte, já garantiu que é um democrata, que jamais pensou em fechar Congresso e Supremo. Do lado de fora, analisemos: se Bolsonaro não quer o golpe, deu a impressão de que quer, unindo contra si todos que se opõem a ditaduras. Caso tente o golpe, pode perder – e, no caso, perde tudo; ou ganhar – e, no caso, por que generais da ativa iriam obedecer a um cavalheiro que só chegou a tenente e passou a capitão apenas por promoção automática, ao deixar a farda? Ele é comandante-chefe das Forças Armadas por ter sido eleito. Após um golpe, seria só uma patente inferior mandando nas patentes superiores.

Na sucessão do presidente Médici, o general Albuquerque Lima era forte. Perdeu por ter três estrelas, não quatro. E a Censura proibiu qualquer referência a ele. Na sucessão do presidente Geisel, o ministro e coronel Jarbas Passarinho – com carreira militar e experiência política, bom de voto, era forte. Perdeu quando o ministro da Guerra, general Orlando Geisel, disse que não obedeceria a um coronel.

Hierarquia é hierarquia, e isso não muda.

A voz das armas

O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, conversaram sobre a manifestação. Nenhum dos dois revelou nada, mas Toffoli parecia tranquilo após a conversa. O ministro, mais tarde, emitiu nota lembrando que as Forças Armadas “trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal”. Isto nem precisaria ser lembrado; mas o general Fernando Azevedo aparentemente não quis deixar qualquer dúvida no ar.

Golpe fácil

Se os manifestantes favoráveis à intervenção militar acham mesmo que esta é a solução, o caminho é fácil: convencer Bolsonaro a renunciar. Assume o vice, general Hamilton Mourão, quatro estrelas, com grande prestígio nas Forças Armadas. Assim realizarão o desejo de ter um general no poder.

Ação e reação

O ministro Alexandre de Morais, do STF, autorizou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a abrir inquérito sobre as manifestações em favor da ditadura. Aras deve apurar se houve infração à Lei de Segurança Nacional “por atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF”.

Disse Aras: “O Estado brasileiros admite única ideologia, que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”. Bolsonaro, que compareceu à manifestação de Brasília e discursou, não é citado e não será investigado, a menos que haja indícios de que ajudou a organizar o movimento.

Texto e contexto

Há muitos anos, o notável meteorologista Rubens Junqueira Vilela era o responsável pelo setor na Folha de S.Paulo. Mas, apesar de seu bom texto, poucos na Redação se davam ao trabalho de lê-lo. Tão logo ele entrava, todos sabiam como seria o tempo. Se estivesse de guarda-chuva, iria chover. Se estivesse agasalhado, iria esfriar. Seguíamos o que mostrava, não o que dizia.

Atualizemos o tema: o presidente esteve na manifestação antidemocrática e não disse nada diante dos gritos pela volta do Ato 5 e outros. O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, já disse que para fechar o Supremo bastariam um cabo e um soldado (e papai nada comentou). O ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, Ernesto Araújo, publicou anteontem em seu Twitter foto da manifestação de domingo e seu chefe, o presidente, quedou-se quieto.

Bolsonaro efetivamente fez declarações pró-democracia a partir desta segunda-feira. E, lido sem má vontade, seu discurso é radical, mas fica nos limites da lei. Mas gente próxima a ele foi simpática ao ato, e até já havia se manifestado contra as instituições. E ele sempre garantiu que não houve ditadura nem tortura. É “façam o que eu digo” ou “façam o que eu faço”?

Alternativa

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(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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