Em matéria publicada nesta segunda-feira, 15 de junho, o UCHO.INFO afirmou que ninguém deveria acreditar no falso bom-mocismo que o presidente Jair Bolsonaro tenta demonstrar ao Supremo Tribunal Federal (STF), alvo de ameaças disparadas por integrantes do governo e de ataques da ensandecida militância bolsonarista. Afinal, o presidente da República é um adepto do autoritarismo e não aceita o contraditório nem decisões judiciais que representem empecilho para seu plano totalitarista.
Em entrevista à BandNews, Bolsonaro classificou como “esticar a corda” a análise pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da ação que pode levar à cassação da chapa presidencial. Ou seja, foi preciso um punhado de horas para o presidente ameaçar a Corte Eleitoral.
“Me julgar por uma página que ficou fora do ar por menos de 24 horas para cassar a chapa Bolsonaro-Mourão? É inadmissível isso aí. Isso, no meu entender, é começar a esticar a corda. É começar a alimentar uma crise que não existe da nossa parte. Como vou dar golpe se já sou presidente da República?”, afirmou o presidente.
Como sempre afirmamos, na política inexiste espaço para coincidências, ou seja, tudo é feito de forma pensada e calculada. Na última semana, em entrevista concedida à revista Veja, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, descartou a possibilidade de um golpe militar, mas alertou a oposição para não “esticar a corda”.
Em matéria anterior, este portal afirmou que Ramos, que é general de Exército, deveria passar para a reserva caso queira fazer ativismo político. Oficial da ativa dando palpite político e fazendo ameaça aos outros Poderes é sinal de que um golpe é possível. E só não enxerga essa realidade quem aceita ser enganado por um governo pífio e movido por confusões e polêmicas.
Na entrevista à BandNews, Bolsonaro repetiu as palavras de Ramos e disse não haver risco de intervenção militar. Abusando da ironia e crente que a parcela pensante da sociedade está distraída, o presidente afirmou que é “digno de pena” quem levanta, durante protesto, faixa em favor da reedição de um AI-5. Segundo Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal não precisava ter delimitado a interpretação sobre a atuação das Forças Armadas.
“Não existe intervenção militar. O artigo 142 nem precisava o ministro Luiz Fux, monocraticamente, atender a um pedido do PDT”, disse Bolsonaro. “Como se o nosso alto comando das Forças Armadas fosse formado por pessoas que não soubessem qual o seu papel em uma democracia”, acrescentou.
O presidente da República tem o direito ao livre pensamento e à respectiva manifestação, mas dizer que é “digno de pena” quem empunha faixa contra a democracia e a favor de um novo AI-5 é querer zombar da opinião pública.
No tocante à decisão liminar do ministro Luiz Fux, do STF, delimitando as funções das Forças Armadas e estabelecendo que não se tratam de “poder moderador”, contrariando o desejo dos generais palacianos, o presidente da República deveria se contentar com a própria ignorância e não ousar desafiar os Poderes constituídos, pois os brasileiros de bem não mais aceitam qualquer movimento que ameace a democracia e o Estado de Direito.
Em relação ao julgamento que acontece no TSE e que pode culminar com a cassação da chapa que elegeu Bolsonaro e Hamilton Mourão, o presidente deveria saber o seu devido papel e dedicar-se à leitura da legislação vigente, começando pela Constituição Federal de 1988.
É inaceitável a mais nova ameaça de Bolsonaro ao Poder Judiciário, já que a Constituição em seu artigo 121 trata da organização e as competências dos tribunais eleitorais, definidas por lei complementar, no caso a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, inciso XIV.
“Art. 121 (CF) – Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.”
“Art. 22 (LC 64/1990) – Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao corregedor-geral ou regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
Inciso XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.”
Ao ameaçar o TSE, Bolsonaro mais uma vez incorre em crime de responsabilidade, uma vez que atenta contra justamente a liberdade e a integridade do Poder Judiciário, assunto tratado com clareza e transparência no artigo 85 da Constituição, inciso II. Redação idêntica tem o artigo 4º, inciso II, da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que trata dos crimes de responsabilidade e é popularmente conhecida como “Lei do Impeachment”.
“Art. 85 – São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
Inciso II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação.”
Bolsonaro teve nada menos do que 28 anos para se debruçar sobre a Carta Magna e esmiuçar o texto constitucional em sua inteireza, mas preferiu protagonizar polêmicas e homenagear torturadores, não sem antes cuidar do ingresso de três dos seus filhos na política. É preciso dar um basta a esse senhor, antes que o Brasil mergulhe de vez nas turvas e fétidas águas do retrocesso.