(*) Carlos Brickmann
Há um importante grupo no Governo Federal (chamado genericamente de área militar, embora nem todos os militares que estão no Governo pertençam ao grupo, embora nem todos no grupo sejam militares) que se preocupa com o desgaste político do presidente. Quando até Olavo de Carvalho ameaça derrubar o Governo, quando a prisão de um tal Queiroz, confesso adepto de práticas pouco ortodoxas de arrecadação ameaça atingir a própria família do presidente, o grupo quer reverter a situação com um Ministério de Notáveis.
O nome foi criado no Governo Fernando Collor, com o mesmo objetivo, e houve a ocupação de ministérios por pessoas notáveis. Não adiantou: Collor sofreu impeachment (e mais tarde acusou os notáveis de traição).
Acontece que o presidente Bolsonaro já formou um Governo de notáveis. O ministro do Meio Ambiente assistiu a uma bela afrouxada na fiscalização ambiental, os dois ministros da Educação que se sucederam foram notáveis pela despreocupação com problemas educacionais, o ministro da Saúde não tem experiência no assunto – mas tudo bem, ele aprende, basta esperar algum tempo e assistir a mais alguns milhares de mortes na pandemia – e até agora só se cercou de militares, sem se contaminar com a presença de especialistas em saúde pública. E há a ministra Damares – querem figura mais notável?
O chanceler pediu o apoio dos EUA ao candidato brasileiro ao BID, para derrotar a Argentina. Trump não deu apoio e ainda lançou candidato próprio. O Itamaraty agradeceu. Perdoa-me por me traíres, diria Nelson Rodrigues.
Posto notável
Há Paulo Guedes, o Posto Ipiranga. Das três reformas que achava essenciais e urgentes, uma, a da Previdência, foi aprovada graças a Rodrigo Maia, e era diferente da que propôs. A administrativa está passando numa boa – uma boa temporada nas gavetas de Bolsonaro, onde estão há um ano. A tributária será proposta algum dia.
O tempo passa
A propósito, não botemos a culpa da pandemia: de janeiro de 2019 a março de 2020, houve tempo. Mas Bolsonaro preferiu, entre outras coisas, analisar esteticamente a esposa do presidente francês. E o Posto Ipiranga se calou, posto em sossego.
As notáveis consequências
As ações do notável Ministério provocam problemas também notáveis: um dos mais graves é dificultar o acordo Mercosul-União Europeia e colocar em risco o comércio já existente entre europeus e o Brasil. Menos pelas queimadas na Amazônia e mais pelas declarações de que isso não tinha importância, o Brasil sofreu bloqueio de recursos europeus destinados à preservação. Some-se a isso frases de Bolsonaro sobre reservas indígenas e o afrouxamento da fiscalização ao desmate ilegal (antes, equipamentos usados em desmatamento ilegal eram incendiados. Agora, são devolvidos), e há restrições de parlamentos de países europeus ao acordo. A Europa se beneficiaria com ele – estima-se que suas empresas poupariam € 4 bilhões ao ano.
Mas é fácil boicotar o acordo: a imagem internacional de Bolsonaro é ruim (basta ver como é tratado pela imprensa europeia), e o lobby dos agricultores europeus contra o agronegócio brasileiro, com o qual não conseguem competir, usa isso contra o Brasil. Tirando a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ninguém dialoga com os clientes.
Duvidar é preciso
Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro, assessor de seu filho Flávio, foi preso na casa de Atibaia de um advogado de Flávio. Não estava escondido, mas hospedado: não havia nenhuma ação legal contra ele. Mas o advogado, em várias entrevistas, disse não saber onde ele estava. Aliás, se é do Rio e se tratava de câncer em São Paulo (onde Veja o entrevistou, no Hospital Albert Einstein), por que foi morar em Atibaia, a 60 km de distância? O presidente Bolsonaro disse que é porque a casa do advogado ficava perto do hospital onde se tratava. Enganou-se: o Hospital Nova Atibaia, onde ele disse fazer o tratamento, negou a informação. E o Einstein fica longe: dá uns 80 km, com o trânsito paulistano no caminho.
Outra dúvida: se Bolsonaro e Flávio não tinham contato com Queiroz, como o presidente sabia do hospital de Atibaia? E por que surgiriam a respeito dele tantas invenções? Questão de hábito?
O outro também
Boa parte da argumentação bolsonarista nas redes sociais se refere ao caso Queiroz como perseguição política. Havia 20 gabinetes parlamentares que, segundo o Coaf, tinham movimentação financeira atípica. Flávio Bolsonaro era o 19º da lista, com R$ 1,3 milhão (Queiroz era o operador). A lista era encabeçada pelo gabinete de um deputado petista, André Ceciliano, com 49,3 milhões. É natural que um assessor do filho do presidente eleito fosse mais citado que os demais. Mas o justo é que contra todos os envolvidos na lista haja um inquérito semelhante. Justiça é Justiça, sem perseguir ninguém.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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