“Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”, prega a sabedoria popular. No escopo desse adágio iniciamos matéria sobre a decisão do Ministério Público Federal em São Paulo de denunciar, por lavagem de dinheiro em âmbito transnacional, o senador José Serra (PSDB), 78 anos, e sua filha, a empresária Verônica Allende Serra.
Como sempre afirma o UCHO.INFO, no Brasil – em outras partes do planeta também – não se faz política sem muito dinheiro, na maioria das vezes de origem ilícita. É fato que nesse setor existem raríssimas exceções, mas a regra vale de forma quase pasteurizada, já que a política verde-loura transformou-se desavergonhadamente em prática de escambo.
De acordo com o Ministério Público Federal, a Odebrecht pagou a Serra (ex-governador de São Paulo e ex-prefeito da capital paulista), entre 2006 e 2007, cerca de R$ 4,5 milhões, montante que, segundo as investigações, foi usado nas campanhas do tucano ao governo estadual. Além disso, a empreiteira teria desembolsado cerca de R$ 23 milhões (R$ 191,5 milhões em valores atualizados), entre 2009 e 2010, para a liberação de créditos junto à Dersa – Desenvolvimento Rodoviário S/A, estatal paulista que foi extinta em 2019.
Segundo o que estabelece a legislação vigente, Serra, por ter mais de 70 anos, não responderá por crimes supostamente cometidos até 2010, como corrupção, por exemplo. Isso porque o prazo prescricional é reduzido à metade quando o denunciado ou investigado tem mais de 70 anos. Tal procedimento também é adotado em ações penais, desde que o réu atinja o limite de idade durante a tramitação judicial.
Contudo, Serra responderá por supostos crimes de lavagem de dinheiro cometidos após 2010. A denúncia da força-tarefa da Operação Lava-Jato em São Paulo ressalta que o senador cometeu os crimes de lavagem de dinheiro foram cometidos até 2014. Os procuradores afirmam no documento que a ilegal operação de transferência de dinheiro e ocultação de recursos ocorreu de 2006 a setembro de 2014 e foi comandada por Verônica Serra.
Modus operandi
A denúncia do MPF destaca que no final de 2006, José Serra, que à época era governador de SP, solicitou a Pedro Novis, executivo da Braskem – companhia petroquímica cujo controle é dividido entre a Odebrecht e a Petrobras – para receber a quantia de R$ 4,5 milhões em conta bancária no exterior.
Encarregado de fazer a “ponte” entre o grupo empresarial e o político tucano, Novis providenciou junto à Odebrecht o pagamento por meio da offshore “Circle Techincal Company”, indicada pelo empresário José Pinto Ramos, amigo do senador tucano.
Ainda de acordo com a denúncia, Pinto Ramos e Verônica Serra constituíram empresas no exterior, com direito à ocultação dos nomes dos verdadeiros proprietários, para o recebimento dos recursos que a Odebrecht pagou ao então governador José Serra.
Voltando no tempo
O fato de Verônica Serra ser alvo da denúncia da Lava-Jato em São Paulo não surpreende o UCHO.INFO, cujo editor noticiou com exclusividade em 2002, durante a campanha presidencial, a ascensão da filha do tucano ao posto de diretora da empresa “Decidir.com”, fundada dois anos antes.
A “Decidir.com” foi criada em Miami, no estado da Flórida, como subsidiária da matriz argentina da “Decidir”, empresa de serviços de busca e verificação de dados cadastrais. A filial norte-americana atraiu os holofotes não apenas pelo fato de a filha do então ministro da Saúde (José Serra) ser uma das responsáveis, mas porque tinha na diretoria a irmã de um “banqueiro oportunista”, alvo das operações Chacal (2004) e Satiagraha (2008) e cujo nome o editor está proibido de citar por decisão arbitrária da Justiça do Rio de Janeiro.
Em sua página eletrônica, a “Decidir.com” oferecia investimentos em fundos sediados no paraíso fiscal de Lichtenstein e pesquisas sobre editais de licitações públicas no Brasil. “Encontre em nossa base de licitações a oportunidade certa para se tornar um fornecedor do Estado”, destacava a propaganda da empresa, como revelou a matéria “A queridinha do papai – Os negócios ultramar de Verônica Serra”.
O staff diretivo da “Decidir.com” era composto pela irmã do “banqueiro oportunista” que hoje vive na Inglaterra, por um representante do Citibank, um representante da Decidir argentina e por Verônica Allende Serra, representando o fundo “International Real Returns – IRR”.
Em 2001, quando a bolha da internet foi pelos ares e deixou um rastro de bilionários prejuízos ao redor do planeta, os fundos de investimentos Citibank, IRR e o pertencente ao “banqueiro oportunista” se retiraram da “Decidir.com”. Com tal debandada, à época a empresa manteve apenas as operações argentina e brasileira, sendo que atualmente não mais funciona no Brasil.
Em 2002, quando a matéria “A queridinha do papai – Os negócios ultramar de Verônica Serra” – fruto de longo trabalho de jornalismo investigativo iniciado dois anos antes, nos Estados Unidos – veio a público, o então candidato do PSDB ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin, que buscava a reeleição, convocou reunião de emergência com a equipe de campanha para avaliar os efeitos da publicação em sua tentativa de conquistar mais uma temporada no Palácio dos Bandeirantes, sede do Executivo paulista. O tempo passou, quase duas décadas, mas a verdade está exposta para ser conferida.