Há um cenário desconexo emoldurando a realidade política nacional. Na segunda-feira (13), como noticiou o UCHO.INFO em matéria anterior, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes das Forças Armadas assinaram nota conjunta repudiando a declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a relação do Exército com a tragédia em que se transformou a pandemia da Covid-19 no País.
No último sábado, o ministro do STF disse que “o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável”. Não é preciso qualquer esforço extra do raciocínio para perceber que a fala de Gilmar Mendes foi um alerta para o governo de Jair Bolsonaro para que seja resolvida com urgência a situação do Ministério da Saúde, que depois de dois meses continua com um ministro interino.
No Brasil, assim como em todo o planeta, o jornalismo político depende das boas relações com os ocupantes do poder como forma de garantir a manutenção de boas fontes de informação. Esse conluio, marcado por um explícito jogo de interesses, é compreensível, mas não se pode atropelar o bom-senso e “passar pano” sobre um escárnio apenas para agradar os interlocutores. Disse o saudoso Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.
É preciso refletir até que ponto é conveniente um jornalismo baseado nessa relação questionável, pois o que vem ocorrendo na saúde pública é algo que ultrapassou com folga as fronteiras do aceitável. Alguns jornalistas decidiram explicar conceitualmente o significado de genocídio, como se o que vem ocorrendo no Brasil não é uma mortandade com a chancela palaciana.
O ministro da Defesa, que anunciou representação contra Gilmar Mendes na Procuradoria-Geral da República (PGR), deveria se preocupar com o fato de que a caserna está associada a um governo despreparado e que flerta diuturnamente com o retrocesso e o palco antidemocrático. Além disso, Azevedo e Silva poderia sugerir ao titular da Saúde, general Eduardo Pazuello, que passe para a reserva caso queira saracotear na política. Aliás, em regimes democráticos as Forças Armadas servem ao Estado e à Constituição, não a governos autoritários e dado às fanfarronices populistas.
Tomando por base que as forças militares devem respeito à Constituição Federal, o ministro da Defesa faria um bem ao País se, com a devida vênia, interpretasse corretamente os artigos 6º e 196º da Carta Magna, os quais tratam dos direitos dos cidadãos à saúde.
Como a pandemia do novo coronavírus é uma questão de saúde pública e o combate à doença é inequívoco dever do Estado, o comportamento do presidente da República, que circula sem máscara de proteção e provoca aglomerações, é marcado por irresponsabilidade genocida, gostem ou não os militares.
No momento em que Bolsonaro opta por politizar a pandemia, desferindo ataques a adversários políticos que tomaram a dianteira no combate ao novo coronavírus, apesar do comportamento descabido de parte da população, não há outra forma de criticar a atuação do governo federal, se não afirmar que se trata de um genocídio.
O Ministério da Saúde, que há dois meses está sob o comando de um general especialista em logística, vem falhando enormemente no combate ao novo coronavírus. A pasta tem no estoque alguns milhões de testes para a doença, mas não faz uso desse material porque uma testagem maior exporia o presidente da República, que continua insistindo no negacionismo.
Além disso, o Ministério da Saúde, cumprindo ordens de Bolsonaro, tem se dedicado à produção em larga escala de hidroxicloroquina, medicamento que não tem eficácia comprovada no combate ao coronavírus e provoca efeitos colaterais graves, quando deveria enviar aos estados e municípios kits completos para a realização de testes para a doença.
Os militares apostaram em eventual retratação por parte do ministro Gilmar Mendes, mas o magistrado ressaltou que sua declaração não maculou a honra ao Exército, mas uma dura crítica ao governo Bolsonaro pelo fato de o Ministério da Saúde ter se transformado em um quartel, tamanho é o número de militares em cargos técnicos.
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, cobrou nesta terça-feira (14) uma retratação de Gilmar Mendes, mas sua incursão não passa de via rápida e fora do contexto para Bolsonaro fustigar o STF e acender a centelha de sua insana horda de apoiadores.
Se a ordem do dia é exigir retratações, que Mourão peça explicação ao ministro Fernando Azevedo e Silva sobre a decisão de, ao lado de Bolsonaro, sobrevoar a Praça dos Três Poderes em apoio à manifestação antidemocrática que pedia o fechamento do Supremo e do Congresso Nacional.
Em suma, os militares, sempre soberbos, o que não anula a competência e o preparo de muitos, enfrentam dificuldade para admitir o fracasso no comando do Ministério da Saúde. Humildade faz bem e não mata!
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