Hasta la vista, Lula!

(*) Carlos Brickmann

Lula está solto e dificilmente voltará à prisão, conciliaram-se adversários inconciliáveis para, digamos, moderar a ferocidade da Lava Jato, a notícia falsa de que o ex-presidente teria pedido ao STF que o autorizasse a viajar a Dubai, para passar a lua de mel com a namorada Rosângela, não provocou os esperados tsunamis nem de seus críticos mais raivosos. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas acontece que os mais fiéis aliados de Lula o desafiaram e desprezaram sua ideia básica de que qualquer união de esquerda terá de ser comandada pelo PT. Partidos tradicionalmente aliados a ele, como o PCdoB, artistas que sempre apoiaram o PT (mais do que isso, sempre foram lulistas), como Chico Buarque, Gilberto Gil, Sérgio Mamberti, ministros de seu governo, como Celso Amorim, professores como Laura Carvalho, ativistas como o coordenador-geral do MST, João Paulo, se uniram para lançar uma candidata à Prefeitura de Porto Alegre filiada ao PCdoB: Manuela d’Ávila.

Lula não consta da lista de apoiadores – em compensação, o manifesto fala de Leonel Brizola, que acabou aliado a Lula, mas antes disputou com ele o comando da esquerda brasileira (e dele disse, num memorável Roda Viva, que Lula não gostava de trabalhar). No mesmo Roda Viva, Brizola fala da necessidade de união das esquerdas. Ele mais tarde seria candidato a vice na chapa de Lula, mas Lula jamais aceitou ser o segundo em qualquer chapa.

Importante: é a primeira vez que lulistas desafiam a liderança de Lula.

O manifesto e os nomes

Manuela d´Ávila é esquerda puro sangue: foi vice da UNE, vereadora, deputada estadual, deputada federal, vice na chapa de Fernando Haddad em 2018, duas vezes candidata derrotada à Prefeitura de Porto Alegre, sempre pelo PCdoB. Era candidata à Presidência, mas aceitou ser vice para compor com o PT. A proposta que faz é, basicamente, “tô contigo”, em vez de “te vira”. O manifesto que, embora de esquerda, subverte a hegemonia petista, está na íntegra, com todos os nomes que o assinam, em Eleições 2020.

Má notícia

Neste momento, em que o Brasil precisa atrair investimentos estrangeiros, a situação é oposta: no primeiro semestre, foram retirados US$ 31,3 bilhões do país por investidores. Pior do que a notícia, em si, é o que ela sinaliza: grandes investidores não confiam na capacidade do país de se reerguer rapidamente. Sem essa confiança, para quem o Governo pretende vender empresas, nas quatro “grandes privatizações” anunciadas por Paulo Guedes?

Todos juntos…

Não se iluda: em Brasília, ninguém quer salvar a Lava Jato. O procurador-geral da República, Augusto Aras, utiliza os exageros e erros da Lava Jato para enfraquecê-la: é fato que os procuradores de Curitiba tentam impedir o compartilhamento daquilo que apuraram em vários anos de trabalho, embora, na verdade, o Ministério Público Federal seja uno; é estranho que a Lava Jato, sozinha, disponha de quase nove vezes o volume de dados de todo o MPF – despertando suspeitas de que tenham extrapolado a investigação de maneira não ortodoxa; certos comportamentos, como a grande quantidade de palestras remuneradas e a tentativa de usar dinheiro retomado de delatores para criar uma Fundação Lava Jato não são comuns.

Aras tem apoio de boa parte dos ministros do Supremo, de parlamentares de diversos partidos e, o que é mais curioso, tanto do PT, atingidíssimo pela Lava Jato, quanto do PSDB, que se julga perseguido, como do presidente Bolsonaro.

…vamos

Todos têm interesses, sim: claros ou não, honrados ou não. O ministro Gilmar Mendes já disse há muito tempo que a Lava Jato exagerava no prazo das prisões preventivas, para forçar delações premiadas. Muito antes disso, o advogado José Roberto Batocchio falava em “delações à la carte”, em que, para obter o benefício, o detido teria de confessar aquilo que lhe era exigido. Ninguém imagina que parlamentares alvejados pela Lava Jato, ou que se sintam inseguros diante da possibilidade de ser escandalosamente levados, com TV e sirenes, mesmo que acabem soltos no mesmo dia, aceitem bem a situação. Parlamentar em geral diz que ama a Lava Jato, que uma Operação Lava Toga é urgente – mas depois avisa o Supremo de que nada passa, não.

Cipó de aroeira

Prepare-se: deve cair um temporal sobre Deltan Dallagnol, respingando em Sergio Moro. A chuvarada virá da esquerda e da direita, de extremo a extremo, e com apoio de quem não quer Sérgio Moro na eleição presidencial.

Tribunal de Haia

Esqueça: as denúncias contra Bolsonaro têm efeito apenas publicitário. A Corte sabe, para começo de conversa, que quando há muita pressão para um julgamento, é provável que seja fruto de disputa partidária. Difícil dar certo.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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