(*) Carlos Brickmann
Um velho sábio mineiro, o ex-governador Magalhães Pinto, comparava a política a uma nuvem: você olha está de um jeito, no minuto seguinte olha de novo e está de outro jeito. Mas a nuvem não se mexe sozinha: depende do humor do clima, depende da direção dos ventos. Hoje os ventos sopram para o lado de Bolsonaro. Aliando-se ao Centrão, conseguiu valiosa estabilidade; mantendo-se mais quieto, reduziu intensidade e frequência das crises. Os R$ 600,00 mensais do coronavoucher multiplicaram sua popularidade.
Pode mudar? Pode. Pode piorar para ele? Pode. Mas pode melhorar. Até 2022 falta muito tempo. Até lá, as boas pesquisas vão mostrando a posição de cada candidato. A pesquisa XP-Ipespe de agora é clara: pela primeira vez desde maio de 2019, a aprovação ao presidente (39%) supera a reprovação (36%). Detalhe: a XP não tem como objetivo influir na eleição. Quer saber a tendência do eleitor para desempenhar sua função, orientar investidores. E este é o quinto levantamento consecutivo em que aumenta a aprovação ao Governo e se reduz a reprovação. Reduz-se também o apoio a um possível candidato que já foi quase unanimidade: a nota dada a Sérgio Moro pelos eleitores caiu de 6,5 para 5,7; a de Bolsonaro subiu de 4,7 para 5,1. Moro é apontado, em geral, como o maior adversário de Bolsonaro num segundo turno.
Ainda em favor de Bolsonaro: 60% acham que o pior da pandemia já passou (antes, eram 52%). O temor é inimigo de quem está no comando.
O mundo gira
Mas nuvem muda para um lado e para outro. Quem se acostumou com o auxílio-emergência de R$ 600,00 não vai gostar da redução para R$ 300,00. Vai gostar menos ainda da redução do benefício a zero, em janeiro. Pode ser que a Renda Brasil atinja R$ 300,00 e mantenha a renda dos mais pobres. Mas, embora superior à Bolsa-Família e com mais beneficiários, terá um cenário em que muitos se endividaram para ampliar suas casas e ainda têm de terminar as obras. O auxílio-emergencial teve ótimos efeitos, e não apenas mantendo alimentados os mais carentes. Manteve gente trabalhando, em especial na construção civil. Deu impulso a comércio e indústria dedicados ao setor, produzindo e vendendo tijolos, por exemplo.
Mas o que acontecerá se faltarem alimentos nas prateleiras, ou só aparecerem a preços elevados?
Para lá, para cá
Em parte, a alta do arroz e do óleo se deve aos bons efeitos do auxílio-emergência: muita gente manteve o consumo, apesar da falta de emprego, e muita gente passou a comer melhor. Junte-se isso à exportação e o preço subiu. A saída é óbvia, tanto do ponto de vista eleitoral de Bolsonaro quanto da economia do país e da saúde da população: é produzir mais e formar estoques reguladores, para manter o consumo sem elevar preços. O agronegócio sabe aumentar a produção. É parte da solução, não do problema.
Como pagar?
Só que a Renda Brasil, uma ótima ideia, tem custo. Bolsonaro, numa de suas raras frases a ter apoio de todos, disse que não vai tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. E de onde vai tirar? Do Judiciário, já se definiu que não; do Legislativo, também não; do Executivo (o Poder que paga pior) sai alguma coisa – mas sem mexer em gente fardada. Bancos, privatizações, só no dia em que o Queiroz responder àquela pergunta. Bolsonaro vetou a lei que perdoava dívidas de igrejas, mas já disse que se fosse deputado votaria para derrubar o veto e manter o dinheiro fora do Tesouro.
Como não pagar
A melhor forma de evitar impostos é a forma legal: é barata e se estende à família. O jornalista Helio Schwartsman, da Folha de S.Paulo, fez o teste: com ajuda de advogados do jornal, R$ 420,00 e cinco dias de trabalho, abriu a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio. Com esse tempo e dinheiro, tornou-se imune a todos os impostos sobre patrimônio, renda ou serviços ligados a suas atividades. Pôde ainda designar seus sacerdotes, também isentos de impostos, livres do serviço militar, com direito a prisão especial. Como o objetivo era só fazer a reportagem, fechou a igreja. Mas quem não quiser pagar imposto nenhum estará abrigado pela lei brasileira.
Comporte-se
O tribunal do Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, recebeu anteontem processo administrativo aberto em 2019 contra a Rumo, operadora de trens, com recomendação de condenar a empresa e multá-la por infração à ordem econômica. A empresa foi denunciada em 2016 pela Agrovia, especializada em transporte de açúcar, por criar dificuldades às concorrentes que dependiam do uso (pago) de seu monopólio dos trilhos.
A Rumo é uma das empresas que mais se beneficiarão do redesenho do Porto de Santos. Os navios que trazem insumos e recebem produtos de empresas do mesmo grupo econômico carregarão e descarregarão na ponta de seus trilhos, sem mais investimentos. Os concorrentes, que recorram à lei.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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