Enquanto a Bolívia espera nesta segunda-feira (19) dados oficiais sobre a eleição presidencial deste domingo, pesquisas de boca de urna apontam a vitória em primeiro turno de Luis Arce, candidato do Movimento para o Socialismo (MAS) apoiado pelo ex-presidente Evo Morales. Arce foi ministro de Economia e Finanças em duas ocasiões, entre 2006 e 2017 e novamente em 2019.
Embora os resultados oficiais possam demorar dias, o governo interino já reconheceu a vitória de Arce. Foi a primeira vez desde 1997 que Morales não participou do pleito como candidato. Ele está exilado na Argentina, desde que renunciou, há quase um ano.
Segundo pesquisa Ciesmori, considerado o mais confiável instituto de pesquisa do país, para as emissoras Unitel e Bolivision, Arce obteve 52,4% dos votos, seguido pelo ex-presidente boliviano Carlos Mesa, da Comunidade Cidadã, com 31,5%, e Luis Fernando Camacho, do Creemos, com 14,1%.
O resultado é semelhante ao apontado pelo levantamento da iniciativa Tu Voto Cuenta, transmitido pela emissora Cadena A, que atribuiu 53% dos votos a Arce, 30,8% a Mesa e 14,1% a Camacho.
A presidente-interina da Bolívia, Jeanine Áñez, publicou no Twitter que ainda não existe contagem oficial, mas que, com base nos dados disponíveis, Arce e seu vice, David Choquehuanca, venceram as eleições. “Parabenizo os vencedores e peço-lhes que governem tendo a Bolívia e a democracia em mente”, escreveu a presidente-interina.
“Democracia recuperada”
Arce disse que a Bolívia “volto à democracia”. “Vamos trabalhar por todos os bolivianos, vamos constituir um governo de unidade nacional”, declarou em uma coletiva de imprensa. Perante os jornalistas, em La Paz, Arce falou dos planos para liderar o país, enquanto a contagem de votos mal ultrapassava os 5%.
De Buenos Aires, Morales parabenizou Arce e afirmou que o MAS também terá maioria nas duas câmaras da Assembleia Legislativa. “Irmãos da Bolívia e do mundo, Lucho [Arce] será o nosso presidente”, assegurou Morales.
O ex-presidente deu ”parabéns” aos vencedores e garantiu que este foi um ”dia histórico”, no qual “a democracia foi recuperada”.
“Hoje recuperamos a democracia. Recuperamos a pátria. Recuperaremos a estabilidade e o progresso. Recuperaremos a paz. Devolveremos a liberdade e a dignidade ao povo boliviano”, afirmou.
Morales também apelou que líderes se envolvam num grande acordo nacional para tirar o país da crise. “Devemos deixar de lado as diferenças, os interesses setoriais e regionais para conseguirmos um grande acordo nacional com partidos políticos, empresários, trabalhadores e o Estado. Juntos construiremos um país sem rancores e que nunca recorra à vingança”, disse Morales.
O órgão eleitoral, o governo interino da Bolívia e as missões internacionais de observadores pediram calma enquanto se aguarda o resultado oficial, que pode levar vários dias.
Essas foram as segundas eleições presidenciais bolivianas em um ano. O país vive tensão política desde o pleito de outubro do ano passado. De acordo com as autoridades eleitorais do país, Morales venceu a eleição. Porém, a oposição garante que a votação foi fraudada e auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) denunciou irregularidades em favor de Morales. Após pressão popular, Morales renunciou em novembro de 2019. Novas eleições foram convocadas para maio, mas foram adiadas duas vezes devido à pandemia.
A oposição dividida favoreceu a eleição de Arce, apoiado pelas camadas mais pobres da população. Mesa, um moderado professor universitário, é apoiado pela classe média urbana liberal da Bolívia. Já a elite conservadora e empreendedora torcia pelo populista de direita Camacho, que se recusou a desistir da candidatura para aumentar as chances de Mesa.
De acordo com as leis eleitorais da Bolívia, para vencer a eleição presidencial em primeiro turno, o candidato precisa de 50% dos votos mais um ou 40% dos votos com uma vantagem de dez pontos percentuais sobre o segundo colocado.
Renúncia de Morales
Em 21 de fevereiro de 2016, um referendo constitucional foi realizado na Bolívia para permitir uma emenda que possibilitaria ao chefe de Estado se candidatar à reeleição duas vezes consecutivas. O “Não” venceu com 51,3% dos votos, o que impediria Morales de disputar as eleições presidenciais de 2019. Apesar disso, ele concorreu.
Morales argumentou à Justiça que, se não pudesse concorrer nas eleições, o “direito humano” de cada cidadão de eleger e ser eleito seria reduzido. O Tribunal Constitucional acatou a premissa, e Morales registrou a candidatura em dezembro de 2018, gerando protestos da oposição.
Mesa disse que a decisão da Justiça foi uma “ferida de morte para a democracia”. Outros oponentes chegaram a falar de um “golpe” institucional e do início de uma “ditadura”. Logo em seguida, Mesa afirmou que enfrentaria Morales nas eleições.
Em 20 de outubro de 2019, foram realizadas as eleições gerais, com a participação de mais de 88% dos eleitores. Os resultados, porém, foram sendo entregues a conta-gotas, o que despertou suspeitas na oposição e nos organismos internacionais. Inicialmente, Morales não conseguiu os votos necessários para vencer no primeiro turno, mas, após uma virada surpreendente, ele conseguiu a vitória.
Depois de vários dias, o resultado final confirmou a vitória a Morales, com 47,08% dos votos, contra 36,51% de Mesa. A oposição considerou a eleição fraudada e foi às ruas em protestos.
Mesa convocou seus seguidores a defenderem os votos e forçarem um segundo turno. Os protestos e confrontos começaram logo após as eleições e tornaram-se mais violentos com o passar dos dias.
Outros líderes se juntaram aos protestos, como Camacho, que conseguiu convocar diferentes organizações para solicitar a renúncia de Morales.
A noite de 8 de novembro foi fundamental para a renúncia de Morales. Na data, a polícia se rebelou em diferentes regiões do país. Morales denunciou que havia um golpe de Estado em andamento.
Em 9 de novembro, o país somava 3 mortos e quase 350 feridos, em um ambiente de polarização crescente.
Em 10 de novembro de 2019, após 14 anos no poder, Morales renunciou, depois de perder o apoio das Forças Armadas e da polícia. A renúncia provocou uma onda de incêndios, saques e ataques.
Governo interino
Em 12 de novembro, a senadora da oposição Jeanine Áñez se declarou presidente interina da Bolívia, numa sessão no Parlamento que não contou com a presença dos representantes do MAS.
Añez, uma advogada opositora de Morales de 53 anos, reivindicou o direito de assumir interinamente a chefia do Estado devido às renúncias do vice-presidente da República e dos presidentes e vice-presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados.
Segundo a Constituição, no caso de renúncia do presidente e vice, o poder passa para o presidente do Senado e o presidente da câmara baixa do Congresso, nessa ordem. Porém, todos eles renunciaram junto com Morales. Mesmo sem quórum, Añez acabou sendo nomeada presidente do Senado e se autodeclarou presidente interina. Em comunicado, o Tribunal Constitucional da Bolívia reconheceu a nomeação da senadora e disse que a manobra estava em conformidade com a Constituição do país, que foi promulgada em 2009 por Morales.
O governo de Áñez também não ficou livre de polêmicas. Ela e seus aliados se envolveram em escândalos de corrupção e manifestaram sentimentos religiosos extremistas e calúnias raciais. Áñez, por exemplo, chegou a se referir aos povos indígenas do país como “selvagens”.
Eleições tranquilas
Apesar do caos político, as eleições deste domingo transcorreram com tranquilidade. Áñez, agradeceu aos cidadãos, às autoridades eleitorais e às forças de segurança por ajudarem a tornar este dia “um feriado pacífico e democrático”.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Salvador Romero, destacou que o dia da votação terminou de forma “pacífica e participativa”, de que o país precisava “para fortalecer sua democracia”.
A Missão de Observação Eleitoral da OEA expressou seu agradecimento ao “povo boliviano por sua atitude cívica ao vir de forma massiva e pacífica para exercer seu direito de voto”.
Na mesma linha, a delegação da União Europeia (UE) felicitou “o povo boliviano por ter protagonizado uma jornada eleitoral pacífica e participativa” e apelou a que se preservasse a calma enquanto se aguardam os resultados oficiais. (Com Deutsche Welle e agências internacionais)
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