(*) Carlos Brickmann
Não, a democracia americana não correu riscos por causa da invasão do Capitólio, a sede do Congresso dos Estados Unidos. Como diria o general de Gaulle (que assim se referiu aos tumultos na França em 68) foi um chienlit – uma cachorrada. De Gaulle, político de pés no chão, conversou com seus comandantes de tropa, viu que tinha base, e pediu a Georges Pompidou, seu aliado, que liderasse a passeata gaulista que parou Paris. Acabou-se a guerra.
Trump chegou ao dia 6 de janeiro com uma estatura. Como presidente reduziu o desemprego a quase zero, chegou a um acordo com o México que diminuiu a imigração clandestina, criou condições para que empresas americanas em outros países voltassem aos Estados Unidos, obteve apoio de aliados na disputa de 5G com a China, enquadrou a Coreia do Norte, foi o primeiro presidente americano a pisar em solo norte-coreano, conseguiu quatro acordos de paz no Oriente Médio, não se envolveu em guerra alguma. Geriu a pandemia com rara incompetência, mas liberou verbas para a Pfizer e a Moderna, ambas já fornecendo vacinas ao mundo inteiro – ou quase.
Trump saiu do dia 6 de janeiro muito menor do que entrou, após estimular as manifestações que geraram a invasão do Capitólio (e cinco mortes). Ainda pode ser afastado do cargo, por incapacidade, mesmo a poucos dias do fim do mandato. Perdeu o controle do Senado, ganhou o repúdio de seu partido.
E, como diria o poeta espanhol, para que? Para nada.
The second one
Mark Pence, vice de Trump, tomou a palavra tão logo os vândalos foram expulsos do Capitólio. “Àqueles que criaram caos na nossa capital hoje: vocês não venceram. A violência jamais ganha”. Verdade: Trump, após a derrota, já era chamado de lame duck (pato manco). Após a confusão, o pato continuou manco. A outra perna, os que se afastaram dele, foi-se.
Recordando
Mais riscos correram os EUA nas duas guerras contra a Grã-Bretanha, no século 19; mais riscos correu a democracia americana na Guerra Civil, ou na quebra da Bolsa (crise que durou dez anos), ou quando, enfrentando grupos isolacionistas, o presidente Roosevelt levou o país à Segunda Guerra. Houve presidentes assassinados, houve Watergate. Chienlit de uma noite, risco zero.
Nosso futuro, nosso passado
Parece claro que o presidente Bolsonaro trabalha com tática semelhante à de Trump: dois anos antes das eleições, já prevê fraudes. Mais que Trump, tem alguma tropa armada, e por algum motivo parece ansioso em importar armas sem impostos. Mas lembremos: em 13 de março de 1964, houve no Rio imenso comício pró-governo João Goulart. Goulart tinha o apoio de algo chamado Dispositivo Militar, chefiado pelo general Assis Brasil; de cabos e sargentos dispostos a ignorar a hierarquia militar; de “generais do povo” em tudo que era estatal; de Grupos dos Onze comandados por Leonel Brizola, das Ligas Camponesas de Francisco Julião, de generais amigos em todos os comandos militares, tudo gente armada. No palanque, o líder comunista Luiz Carlos Prestes proclamava: “Já estamos no Governo, só nos falta tomar o poder”. Dezoito dias depois, sem um único disparo, o Governo era deposto.
Velhos livros 1
Nas primeiras décadas do século 20, fez sucesso um herói do Mal: o Dr. Fu Manchu, criado por Sax Rohmer. Fez sucesso em livros e em filmes. Sax Rohmer jamais foi à China, mas imaginou um lugar sombrio, perigoso, onde não ser bandido era quase um crime. O Dr. Fu Manchu era uma espécie de Lex Luthor (alô, fãs do SuperHomem), sempre buscando dominar o mundo.
Na Biblioteca, na época em que era hábito frequentar bibliotecas, li muito o Dr. Fu Manchu. Pois não é que as histórias antichinesas de hoje são iguais às dele? Só entra um capítulo novo, o comunismo. A China é uma ditadura, e este é um bom motivo para este colunista rejeitar seu regime. Mas também é verdade que, com raras exceções – Tibete, a principal – não busca ampliar seu território, aliás já vastíssimo. Não, não querem conquistar o Brasil, nem a Argentina: parece que estão mesmo interessados em fazer bons negócios.
Velhos livros
E essa bobageira toda sobre Nova Ordem Mundial globalizante, que junta banqueiros, industriais, o Papa, artistas pedófilos de Hollywood e, naturalmente, os comunistas? Está tudo descrito num livro em quatro volumes que se pode conseguir na Amazon: “The International Jew”, de Henry Ford – sim, ele mesmo. Ford era ferrenho antissemita e escreveu inspirado pelo “Protocolos dos Sábios do Sião”, obra forjada pela Polícia Secreta do czar do Império Russo.
O livro de Ford é citado em Mein Kampf (“Minha Luta”), de Hitler; Ford recebeu de Hitler a maior condecoração do país, a Grande Cruz da Águia Alemã. Está tudo ali. Hoje, não usam a parte referente aos judeus, mas haja judeus citados entre os (é insulto) globalizantes!
E não há limites: para eles, o Papa Francisco é tão comuna quanto a China.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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