(*) Ipojuca Pontes –
Mas, como ia dizendo no último artigo, em pouco menos de um ano o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, versão carioca do Conde Drácula, já cometeu todo tipo de vilania contra os seus munícipes, a começar pela ampliação de tributos e criação de novos impostos – dois achaques que prometeu à população jamais cometer. Sim, claro, o “carioca” protesta e assume ar de indignação, escreve incontáveis cartas às redações de jornais, mas não há do que reclamar: todo mundo pressentia que, embora noviço no executivo, Paes iria se comportar como o político (socialista) veterano que só enxerga no cidadão a presa indefesa a ser vampirizada.
No caso especifico da criação da Taxa de Iluminação pública (“Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública” – o nome do assalto), a coisa torna-se mais escandalosa quando se sabe que, direta ou indiretamente, ela já é paga por meio de impostos municipais como o IPTU (sujeito a nova “correção”, em 2010), ISS, ITBI, IPVA, para não falar na arrecadação do ICMS e na transferência de receitas recolhidas pelo governo Federal para este mesmo fim. (Aqui, só para esclarecer, convém lembrar que o Rio paga o IPTU mais caro do Brasil, pelo fato singular de que quase a metade de sua população, a partir de acordos corporativos demagógicos e eleitoreiros, não paga o imposto e sequer recebe carnê de cobrança).
Ademais, vale salientar, por conta da incompetência administrativa do prefeito, ocorre um fenômeno espantoso no espaço público da cidade, a onerar ainda mais o bolso do cidadão: em pleno meio-dia, sol a pino, a iluminação de lâmpadas de mercúrio (ou fluorescentes) banha suas ruas, praças e avenidas, em contraposição às noites escuras, quando as luzes públicas, em certas áreas, são apagadas. (Uma simples visita à Praça Serzedelo Correia, em Copacabana, pode dirimir a veracidade da informação).
Diante do clamor geral, em meados de dezembro, atendendo ação popular movida pelo advogado Victor Travancas contra a taxa considerada inconstitucional, a Juíza Georgia Vasconcellos concedeu liminar suspendendo o ato das sessões extraordinárias (ilegais) da Câmara de Vereadores que aprovou a nova taxa. Aleluia! A cobrança foi suspensa! A população, exausta de pagar imposto, foi dormir tranqüila ao tomar conhecimento da medida da Meritíssima.
Ocorre que na vida forense cabocla prevalece uma prática (farsesca) que já se tornou rotina: o Juiz concede uma liminar pela manhã e, à tarde, o presidente do Tribunal de Justiça suspende os efeitos da mesma liminar, em geral de modo a favorecer os interesses do governo. Na questão da Taxa de Iluminação, não deu outra: atendendo a procuradoria Geral do Município, o presidente do Tribunal, em menos de 24 horas jogou por terra a decisão da Juíza. De noite, quem dormiu aos roncos de felicidade foi o dito Paes, antegozando os muitos $$ milhões que sua prefeitura estróina vai embolsar.
O leitor há de perguntar: mas para que o prefeito do Rio quer retirar tanta grana do bolso dos munícipes? Seria para acomodar os milhares de mendigos, drogados, alcoólatras, ladrões e vagabundos que tomam conta diuturnamente das praias, praças, viadutos, calçadas e calçadões da cidade? Ou para desentupir os bueiros e limpar o lixo das ruas sempre infectas? Ou tapar os buracos (crateras) que infestam suas avenidas e pistas de alta velocidade, responsáveis por dezenas de acidentes diários, boa parte deles mortais? Ou mesmo racionalizar a iluminação pública e melhor distribuí-la em horários compatíveis?
Qual o quê! Segundo o site Rio-Transparência, da própria prefeitura, os gastos com a conservação da cidade e outras minudências diminuíram em quase 40%, caindo de R$ 88.616.626, em 2008, para R$ 54. 966.768, em 2009 – razão parcial da sujeira carioca.
De fato, o prefeito quer mais grana para torrar em publicidade. Exatamente: afora a vultosa verba que dispõe em orçamento anual para tal fim, ele está colocando nas ruas o “processo licitatório” de mais R$ 120 milhões para divulgar, entre outros mimos, o “número de um telefone unificado para a população solicitar serviços à prefeitura”. O cidadão carioca já está saturado de telefonar, inutilmente, para reclamar dos diversos serviços nunca prestados pela prefeitura, mas o prefeito, inconsciente do absurdo proposto, e com ares de sujeito integro, assim o justifica: “A publicidade não é (para) o prefeito aparecer na televisão, dizendo quão bonito é o seu governo”.
Tais palavras, claro, foram encaradas pela população como conversa para enganar trouxas, pois considera, por longa experiência, que os recursos sacados do novo tributo serão investidos exatamente em peças publicitárias para convencer a população de “quão bonito é o seu governo”. E pouco importa que a beleza incensada seja pura ficção. Tal como Lula, Serra, Kassab, Sarkozy, Obama e adeptos da política “como espetáculo de marketing”, o prefeito do Rio sabe que a propaganda é “arma do negócio” e que os publicitários de plantão, bem fornidos de recursos públicos, martelando dia e noite o inconsciente da patuléia, são uma força inexpugnável.
Certo: a voracidade do governo em abocanhar o dinheiro do contribuinte não é fenômeno novo, nem municipal. Como se sabe, a idéia de que só há duas coisas certas na vida, a morte e os impostos – é coisa antiga. Inédita, no entanto, é a sua estupenda abrangência e a velocidade com que ela hoje se materializa: em nome da igualdade e da justiça social, os governos fabricam leis e tributos em ritmo frenético, pelo que se sabe tão somente para ampliar privilégios e podres poderes, entre os quais o de empregar a cupinchada amiga e leal.
Basta conferir: uma vez no poder, o pilantra mais ordinário, ou aloprado, sem o menor respeito pelo dinheiro dos outros, assume ares de Guia Iluminado para impor, com a anuência dos poderes legislativo e judiciário, o que considera mais adequado para a “felicidade dos súditos”.
No caso do Rio, na sua fúria impositiva, à cata de grana a todo custo, a prefeitura está importando aparelhagem “higt tech” (de procedência americana e israelense) para tornar mais próspera e eficiente a “indústria de multas”, uma das componentes estruturais do fictício “choque de ordem” que a administração municipal, por forca do marketing, impõe à cidade. Câmeras noturnas, plataformas móveis, pardais com dispositivos para leitura ótica de caracteres e até miniaviões fantasmas (sem piloto) formam o novo aparato bélico do prefeito para punir o incauto motorista. Objetivo único: faturar, em 2010, quantia acima de R$ 100 milhões e triplicar, nos anos subseqüentes, o faturamento com as multas do trânsito.
Detalhes como, por exemplo, instalações de semáforos e sua manutenção, campanhas de educação preventiva, etc., ficam para depois. O que importa, de imediato, é a prosperidade da indústria punitiva. Querem uma evidência? Pois bem: segundo informe oficial, a Secretária municipal de Ordem Pública (Seop) aplicou em 2009 nada menos que 743.559 multas – e a meta planejada para 2010 é a de atingir a casa do milhão!
Pelo informe divulgado, boa arte das multas aplicadas advém do estacionamento indevido nas calçadas. Ocorre que o Rio é uma cidade antiga e muitos dos seus prédios, construídos na primeira metade do século XX, não tinham garagem e o estacionamento nas ruas era livre. Prefeitos como Pedro Ernesto e Henrique Dodsworth, de grande senso administrativo, não previram que a cidade iria se transformar numa megalópole desvairada à disposição de administradores selvagens. Resultado: sem criar condições plausíveis para construir novas garagens, subterrâneas ou não, ou regularizar códigos flexíveis de estacionamento urbano, a prefeitura do Rio colocou em circulação, na calada da noite, os seus fiscais predadores para multar e rebocar carros estacionados defronte dos prédios sem garagens, cujos proprietários não têm nenhuma alternativa, salvo a de enfiar uma bala nos córneos.
Este é “choque de ordem” executado com os rigores da fria alienação pelo prefeito Paes: enquanto a prefeitura enche as burras de dinheiro esfolando os munícipes, e trama projeto bilionário para mergulhar no subsolo a vida urbana da Avenida Rio Branco, obra irretocável de Pereira Passos, a cidade atravessa a sua fase mais crítica, entregue à sujeira, às intempéries, à marginalidade e ao caos urbano generalizado.
É o fim da picada (e do artigo), sem dúvida. Mas fica a pergunta: diante da profusão de leis injustas e da insensibilidade humana e social dos seus atuais administradores, o que resta a população consciente da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro?
Pessoalmente, acho que pouca coisa. Talvez o apelo à violência ou, quando não, o dever da desobediência civil. E o prefeito devia agradecer à população caso ela se incline pela segunda opção.
P.S. – Ah, ia esquecendo: no seu gosto mórbido pelo marketing espetacular, o prefeito Paes contratou os serviços do pai-de-santo Cobra Coral, com o objetivo de desviar a tempestuosa queda d’água prevista para o réveillon municipal. Ao que tudo indica, Cobra Coral cumpriu o contrato e desviou a catástrofe para Angra dos Reis, cuja tragédia ainda abala o país.