Impor limites a Bolsonaro é necessário e urgente, mas volúpia do Centrão torna a operação improvável

 
(*) Waldir Maranhão

Vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM) decidiu encampar o desejo da maioria dos brasileiros: impor limites ao presidente da República, que com discurso destemperado insiste em ameaçar a democracia e o Estado de Direito.

Sempre empunhando o aríete do golpismo, o presidente faz da narrativa da fraude eleitoral uma desculpa para o cada vez mais provável fracasso do seu projeto de reeleição.

Política e eleitoralmente o Brasil está dividido e polarizado, mas esse cenário não permite que açoites ao regime democrático. Por isso é importante impor limites ao chefe do Executivo federal, antes que seja tarde demais.

Em artigos anteriores ressaltei a necessidade de se combater com urgência a escalada autoritária que tem assustado boa parte da população, o que significa estabelecer balizas a serem respeitadas pelos que sonham e deliram com a ruptura democrática.

Marcelo Ramos interpreta como crime de responsabilidade a ameaça feita pelo presidente da República de não realização das eleições em 2022, caso não seja aprovado o voto impresso.

O artigo 7º da Lei nº 1.079, de 10 de julho de 1950, conhecida como “Lei do Impeachment”, lista uma série de crimes de responsabilidade já cometidos pelo presidente. Sequer exige, o mencionado artigo, esforço hercúleo para interpretá-lo. Basta disposição para leva-lo adiante e cumprir o que estabelece a referida lei.

Não faz muito tempo, o presidente da República disse a apoiadores que as eleições do próximo ano correm o risco de não acontecer. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, disse.

Depois de absurda declaração, os chefes dos outros dois Poderes constituídos (Judiciário e Legislativo) tentaram contemporizar, quando na verdade deveriam cumprir o que manda a Constituição Federal. Em outras palavras, dar início a processo de impedimento do presidente da República.

No Judiciário, por exemplo, a iniciativa do presidente do STF, ministro Luiz Fux, foi chamar Jair Bolsonaro para uma conversa, que resultou em compromisso de curtíssimo prazo de validade: o de moderar o tom.

No encontro (Fux e Bolsonaro) ficou acertada uma reunião entre os chefes dos três Poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo) para aparar arestas. Isso não aconteceu devido à teatral e rocambolesca internação do presidente da República, que tentou fazer de um “nó nas tripas” um picadeiro político.

Na última segunda-feira,19, após alta hospitalar, Bolsonaro foi ao encontro dos apoiadores, que diariamente o aguardam no “cercadinho” do Palácio da Alvorada. Reconhecendo a não aprovação da “PEC do Voto Impresso”, o presidente disse que não descarta a possibilidade de ficar de fora da corrida presidencial. Se isso de fato ocorrer, a democracia agradece.

O presidente não desiste do palavrório sobre fraude nas urnas eletrônicas, algo que até o momento não tem comprovação, apenas especulações de derrotados que fingem respeitar a democracia.

Bolsonaro afirmou que as eleições de 2018 foram fraudadas e que teria vencido a disputa pelo Palácio do Planalto no primeiro. Prometeu apresentar provas, mas até agora não fez, mesmo depois de cobrado pelo TSE.

Com a inconsistência de uma denúncia que não para em pé, o presidente apontou o mesmo discurso para a eleição anterior. Disse que apresentará provas de que a eleição presidencial de 2014 foi fraudada. O PSDB, cujo candidato naquele ano era Aécio Neves, negou publicamente a ocorrência de fraude.

A insistência de Bolsonaro com o tema faz parte de um plano totalitarista para contestar o resultado da eleição presidencial do próximo ano, abrindo caminho para a versão cabocla da invasão do Capitólio, em Washington D.C. (EUA), após a derrota de Donald Trump.

Voltando ao vice-presidente da Câmara… Bruno Araújo afirmou, em entrevista, que “se Câmara não colocar limites, Bolsonaro vai avançar sobre a democracia”.

Impor limites a alguém com perfil golpista e reacionário como Jair Bolsonaro não é tarefa simples. Além disso, a cooptação cada vez maior do Centrão dificulta qualquer movimento na direção do impeachment.

Durante o recesso parlamentar do meio do ano, que dura quinze dias, Marcelo Ramos poderá, em tese, assumir a presidência da Câmara, o que lhe permitiria analisar ao menos um dos mais de 120 pedidos de impeachment de Bolsonaro, todos por crime de responsabilidade.

Com o baú do Centrão sempre abarrotado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), dificilmente se ausentará do cargo, mesmo durante o recesso. E isso custará caro, muito caro, ao Palácio do Planalto, que já não sabe como lidar com os muitos fantasmas que rondam a sede do governo.

A fatura a ser apresentada pelo Centrão abrigará a negociação de cifra mais “palatável” para o fundo eleitoral (passaria de R$ 5,7 bilhões para R$ 4 bilhões) e mais cargos na estrutura do governo, principalmente no primeiro escalão. No caso do “fundão” a batida do martelo foi combinada com antecedência, enquanto que em relação a cargos a Casa Civil pode ser mais um apêndice do Centrão.

O que Marcelo Ramos defende é possível, pois tem largo respaldo legal, mas na minha opinião é improvável.

Além disso, como já ressaltei em textos passados, um processo de impeachment a essa altura dos acontecimentos teria enorme custo ao país e à sociedade. O melhor dos cenários, sob a ótica política e livre de rubores partidários, é barrar nas urnas – plenamente confiáveis – as ameaças à democracia.

“As duas virtudes cardinais da guerra: força e fraude.” Assim disse o filósofo britânico Thomas Hobbes. A fraude deixo para o discurso incongruente e vazio do presidente da República, a força, para defender a democracia.

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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