(*) Carlos Brickmann
Talkey, Bolsonaro está ficando feliz quando lhe oferecem cafezinho de ontem (e sem cloroquina!), aceita nomear como quase primeiro-ministro um parlamentar que há pouco tempo o chamava de fascista, elogia um ministro que ocupou alto cargo no Governo Dilma Rousseff. Vale tudo para se salvar do impeachment e das complicações que podem decorrer da perda do cargo, para ele e os filhos. Com o apoio do Centrão (que o alegrou tanto que até lembrou que sempre foi Centrão) fica difícil o impeachment. E embora não vá bem nas pesquisas tem como tentar a reeleição. É difícil, mas possível.
O principal fator é nosso dinheiro. Um bom auxílio governamental aos mais pobres faz milagres. Grandes áreas do país, tradicionalmente nas mãos do PFL (hoje DEM), passaram para o PT nas ondas do Bolsa Família. Com razão, a população mais pobre muda de voto para manter uma ajuda que lhe é essencial. Não há dinheiro suficiente, já que o Brasil sempre preferiu ajudar grandes empresários, banqueiros, gente mais próxima do Governo e muito mais generosa. Não faz mal: há o suficiente para começar dentro de pouco tempo e aguentar até as eleições. Depois das eleições, tudo pode retornar à situação de sempre. A ajuda ao eleitor de baixa renda estimula a compra de comida, de material de construção, de mobília. E os robôs bolsonaristas vão proclamar os êxitos – os que houver e os que não houver. Quanto à oposição, tem de se preparar direito.
Unida, de preferência; sabendo que será difícil.
Atenção nos números
E é importante, para a oposição, saber usar as pesquisas. Tão longe como estamos da eleição, pesquisa indica tendências e caminhos. Não é grid de largada: é um convite ao trabalho, para sair de onde está e crescer o possível.
O caminho natural
Não se impressione com o encontro de Bolsonaro (e de bolsonaristas de destaque) com a tal deputada alemã de extrema direita, lá investigada por suas ligações com os nazistas: Steve Bolton, tão extremista que nem Trump o aguentou, já disse que Bolsonaro é um dos grandes líderes conservadores do mundo, e o filho 03, Eduardo Bananinha Bolsonaro, disse o Brasil é um dos polos mundiais do conservadorismo. Conservador, para eles, não é o Partido Conservador britânico, de Churchill e Margaret Thatcher, nem a União Cristã Democrática alemã de Adenauer e Angela Merkel.
Seu conservadorismo está mais próximo do que chamamos de reacionarismo.
A grande frase
Do escritor canadense Morth Sahl (dita em 1927), lembrada por Gerson Guelmann, jornalista paranaense: “Um conservador é alguém que acredita em reformas. Mas não agora”.
As ordens, às ordens
O presidente Bolsonaro tem sorte com seus militares. Já houve quem lhe dissesse que “um manda, outro obedece”. Agora há o que, após queixar-se de ter sido demitido de surpresa, “atropelado por um trem”, aceita um cargo menor porque “soldado cumpre missão”. Para um capitão que só alcançou o posto porque deu baixa, é uma sorte ter generais tão bonzinhos. Aliás, o que “cumpre missão” tomou vacina escondido, para Bolsonaro não saber.
Estava escrito
Conforme essa coluna antecipou, o aumento das verbas eleitorais de R$ 1,8 bilhão (que já é um escândalo) para R$ 5,7 bilhões (escândalo em triplo) era apenas o bode na sala, a fumaça nos olhos, o inaceitável. Aí Bolsonaro dá um jeito de reduzir os R$ 5,7 bilhões para R$ 4 bilhões para deixar todo mundo contente.
O escândalo é o mesmo: a verba eleitoral, tirada de nosso bolso, mais do que duplica, em plena pandemia, em plena necessidade de dar maior ajuda à população carente, mas dá a impressão de que algo foi feito. É exatamente o que está acontecendo, exatamente como estava previsto.
Joice e a casa trancada
Não, não há nenhuma hipótese nova sobre o caso da agressão à deputada federal Joice Hasselmann – que, segundo conta, acordou caída no chão, numa poça de sangue, com machucados e fraturas, e não se lembra do que ocorreu. O apartamento estava trancado e, nele, apenas ela e o marido. Joice é uma mulher grande, forte, e faz krav-magah, a eficiente luta israelense.
As versões dos adversários bolsonaristas são absurdas: uma internação hospitalar com nome falso, sem que ninguém a tivesse reconhecido, e fotos de um carro batido – mas, veja só! – esqueceram de fotografar a chapa. O caso está sendo investigado pela Polícia Legislativa e pela Polícia Civil.
Tente resolver
Há boa literatura policial sobre crimes em ambientes fechados. Veja no Google: o expoente desses livros é John Dickson Carr (ou, às vezes, Carter Dickson). Há o excelente O caso dos dez negrinhos, de Agatha Christie (ou E não sobrou nenhum, para evitar conotações de racismo – embora os Ten Little Niggers do título original não sejam pessoas, mas estatuetas).
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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