O presidente Jair Bolsonaro pode ser o primeiro brasileiro a se tornar réu no Tribunal Penal Internacional (TPI). Um pedido de investigação por crimes contra a humanidade e genocídio praticados pelo presidente contra os povos indígenas foi protocolado na Corte nesta segunda-feira (9) pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O extenso documento enviado ao TPI, redigido por advogados indígenas, apresenta uma série de discursos, decisões – e omissões – registradas desde 1º de janeiro de 2019, início do mandato de Bolsonaro, que comprovariam a intenção de extermínio dos povos originários.
“A gente demonstra a falta de demarcação de terras, incentivo do presidente à prática de desmatamento, garimpo e mineração em territórios indígenas. Isso mostra que há, sim, indícios de crime de genocídio, já que esses eventos colaboram para a destruição dos povos, aumento da violência e morte”, afirma a advogada Samara Pataxó em entrevista à Deutsche Welle Brasil.
Em dezembro de 2020, o TPI iniciou formalmente, em caráter preliminar, a avaliação de outro pedido de investigação feito por advogados brasileiros. No fim de 2019, após o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (Cadu) e a Comissão Arns enviaram uma comunicação ao tribunal alegando que os atos de Bolsonaro implicavam crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de indígenas.
“A nossa compreensão é de que, desde então, o presidente agravou os seus atos em relação aos direitos socioambientais e dos povos indígenas. Agora não se fala mais em incitação, mas em genocídio”, detalha Eloísa Machado, advogada do Cadu que colaborou com a Apib.
A tramitação do pedido no TPI ainda é incerta e, caso avance, pode ser bastante longa. “A nossa expectativa é causar um impacto político e social. Nós, indígenas, temos medo de retaliações, de ataques, o que se tornou comum neste governo. Mas esperamos que a sociedade veja que nós criamos formas de reagir e que nos apoie”, comenta Pataxó. “Esperamos também que sirva de incentivo a outros grupos que estão sendo atacados.”
Crimes de genocídio e contra a humanidade
Sediado em Haia, na Holanda, o TPl foi criado com base no Estatuto de Roma, assinado em 1998, para julgar crimes de guerra, crimes contra a humanidade, de genocídio e de agressão de forma independente dos Estados.
De acordo com o artigo 6º do estatuto que rege o tribunal, são considerados genocídio “atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo étnico, racial ou religioso” – como homicídio; ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; sujeição intencional do grupo a condições de vida que provocam a sua destruição física, total ou parcial; medidas destinadas a impedir nascimentos; transferência à força de crianças.
São considerados crimes contra a humanidade, previstos no artigo 7º, ataques sistemáticos à população civil, como extermínio, tortura, escravidão, apartheid e outras condutas.
Para os advogados da Apib, Bolsonaro comete tais crimes ao incentivar a invasão de terras indígenas por garimpeiros e madeireiros; contrapor essas atividades, ressaltadas como “contribuições à economia brasileira”, aos modos de existência indígenas; prometer liberar e legalizar o garimpo e não aplicar a legislação ambiental aos criminosos; não demarcar ou homologar terras indígenas; destruir a infraestrutura pública de garantia dos direitos indígenas e propagar a Covid-19.
“Essa política afetou a vida, a saúde, a integridade e a própria existência dos povos indígenas no Brasil, com especial atenção para povos isolados ou de recente contato, os Mundukuru, os que vivem na Terra Indígena Yanomami, os Guarani-Mbya e Kaigang, os Guarani-Kaiowá, os Tikuna, os Guajajara e os Terena”, diz o documento encaminhado ao TPI.
Próximos passos
O pedido de investigação deve ser encaminhado ao gabinete da procuradoria do TPI, que faz uma análise preliminar. Ele só se transformará numa ação penal caso a procuradoria entenda que houve de fato os delitos alegados. Do contrário, o pedido é arquivado.
“No TPI vale o Princípio da Complementariedade: a responsabilidade primeira para punir indivíduos que cometeram crimes de altíssima gravidade é do Estado. Se o Estado não pode, ou não quer punir, o TPI tem jurisdição para julgar”, explica André de Carvalho Ramos, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP). “E quem decide se o Estado não pode ou não quer julgar é o próprio TPI”, adiciona.
O Brasil reconheceu em 2002 a jurisdição da Corte internacional, o que, segundo o entendimento de Ramos, possibilita a entrega de um brasileiro nato caso haja uma ordem do TPI. “Nesses crimes de alta gravidade não há qualquer tipo de imunidade”, diz o professor, mencionando o Estatuto de Roma.
Na avaliação de Ramos, o pedido de abertura de investigação no TPI pode funcionar como um alerta, uma espécie de apelo, para que o sistema de Justiça brasileiro priorize essa demanda. “Quando envolve os povos indígenas, a relevância é evidente. É a questão de sobrevivência de um grupo importante”, comenta.
Para os advogados que recorrem à instância internacional, não se trata de ganhar a ação. “A gente quer que Bolsonaro pare de promover crimes contra povos indígenas, que cesse a perseguição, o extermínio, essa política de destruição ambiental”, ressalta Eloísa Machado. (Deutsche Welle)
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