O Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da Operação Lava-Jato foram parciais nos processos contra o ex-presidente Lula, que passou mais de 500 dias na prisão.
“A investigação e o processo penal contra o ex-presidente Lula da Silva violaram seu direito a ser julgado por um tribunal imparcial, seu direito à privacidade e seus direitos políticos”, concluiu o órgão internacional, cuja decisão foi tornada pública nesta quinta-feira (28).
De acordo com o comitê, tais violações processuais da Lava Jato tornaram “arbitrária” a proibição de Lula concorrer à Presidência em 2018, o que constitui uma violação de seus direitos políticos, incluindo o de se candidatar às eleições.
“Embora os Estados tenham o dever de investigar e processar os atos de corrupção e manter a população informada, especialmente em relação a um ex-chefe de Estado, tais ações devem ser conduzidas de forma justa e respeitar as garantias do devido processo legal”, afirmou Arif Bulkan, membro da comissão da ONU.
A decisão do Comitê de Direitos Humanos é uma resposta a uma representação feita pela defesa de Lula em 2016, quando o petista foi alvo de um mandado de condução coercitiva.
Depois que o órgão aceitou avaliar o caso, os advogados do ex-presidente acrescentaram outras denúncias ao pedido: a parcialidade do processo e julgamento, a difusão de mensagens de caráter privado de familiares de Lula e a impossibilidade de ele se candidatar em 2018.
O comitê concluiu que houve violação dos direitos do petista em todos os quesitos. O mandado de prisão violou o direito de Lula à liberdade pessoal, e as escutas telefônicas e a divulgação das suas conversas ao público violaram o seu direito à privacidade, afirmou o órgão.
A entidade também constatou que “a conduta e outros atos públicos do ex-juiz Moro violaram o direito de Lula da Silva de ser julgado por um tribunal imparcial; e que as ações e declarações públicas do ex-juiz e dos promotores violaram o seu direito à presunção de inocência”.
O comitê pediu, assim, que o Brasil “assegure que quaisquer outros procedimentos criminais contra Lula cumpram com as garantias do devido processo legal”, a fim de evitar violações semelhantes no futuro.
A conclusão do comitê não tem efeito jurídico prático, mas as decisões do colegiado costumam ter repercussão política.
As condenações de Lula já foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas a decisão da entidade internacional pode servir como instrumento para reforçar o argumento do ex-presidente de que ele foi alvo de perseguição política, às vésperas das eleições deste ano.
No momento, Lula aparece como líder nas pesquisas de intenção de voto, tendo o presidente Jair Bolsonaro como principal adversário.
A linha do tempo
Sérgio Moro condenou Lula a 9 anos de prisão em julho de 2017. Em janeiro do ano seguinte, a pena do ex-presidente foi aumentada para 12 anos pelo Tribunal Regional Federal. Em abril de 2018, Lula começou a cumprir a sentença, enquanto os recursos estavam pendentes.
Naquele mesmo ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou a candidatura do petista para as eleições presidenciais sob o argumento de que a legislação brasileira impede qualquer pessoa condenada por determinados crimes e sob certas condições de concorrer a cargos públicos, mesmo que haja recursos pendentes.
Lula permaneceu preso por 580 dias. À época da prisão e do bloqueio da sua candidatura, ele era o favorito a ganhar as eleições presidenciais de 2018. Sem o petista na corrida, a eleição acabou sendo vencida pelo extremista de direita Jair Bolsonaro.
Em 2021, o STF concluiu que Moro – que em 2019 se tornou ministro de Bolsonaro – foi parcial ao condenar Lula nos processos da Lava Jato. Com isso, as ações envolvendo o tríplex no Guarujá, o sítio em Atibaia e o Instituto Lula foram anuladas.
Em 2019, Moro sofreu profundo desgaste após o site The Intercept Brasil revelar mensagens obtidas por um hacker que indicavam que o ex-juiz e procuradores conspiraram para assegurar uma condenação do petista e que tal tipo de cumplicidade era rotineira no tribunal.
Na decisão desta quinta-feira, o comitê da ONU acrescenta que a anulação das ações não foi suficiente para “evitar ou reparar as violações” contra o ex-presidente.
Moro ainda não se pronunciou sobre a decisão da entidade internacional, mas sempre negou ilegalidades nos processos.
O Comitê de Direitos Humanos é composto por 18 especialistas em direitos humanos independentes, que têm o papel de fiscalizar o cumprimento do chamado Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. O Brasil e outros 172 países são signatários desse acordo. (Com agências internacionais)
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