Especialista da ONU acusa Israel de atos genocidas na Faixa de Gaza

 
Francesca Albanese, especialista em direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), afirmou, na segunda-feira (25), haver “motivos razoáveis” para determinar que Israel cometeu vários atos de “genocídio” em sua guerra na Faixa de Gaza, alertando também sobre a “limpeza étnica”.

Albanese, relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos, disse que há indícios claros de que Israel violou três dos cinco atos listados na Convenção de Genocídio da entidade.

“A natureza e a escala esmagadoras do ataque de Israel a Gaza e as condições destrutivas de vida que ele infligiu revelam uma intenção de destruir fisicamente os palestinos como um grupo”, disse ela em um relatório, que foi imediatamente rejeitado por Israel como uma “inversão obscena da realidade”.

Especialista independente nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, Francesca Albanese, que não fala em nome das Nações Unidas, disse ter encontrado “motivos razoáveis para acreditar que o limite que indica a prática de (…) atos de genocídio contra os palestinos em Gaza foi atingido”.

O relatório, intitulado “Anatomia de um Genocídio”, listou esses atos como: “matar membros do grupo; causar sérios danos corporais ou mentais aos membros do grupo; e infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua destruição física total ou parcial”.

Israel rejeita relatório

A missão diplomática de Israel em Genebra afirmou que o país “rejeita totalmente o relatório”, descrevendo-o como “simplesmente uma extensão de uma campanha que busca minar o próprio estabelecimento do Estado judeu”.

“A guerra de Israel é contra o Hamas, não contra os civis palestinos”, disse em um comunicado, criticando as “acusações ultrajantes” de Albanese.

Há muito tempo Israel vem criticando duramente Albanese e seu mandato, que os Estados Unidos chamaram na segunda-feira de “tendencioso contra Israel”.


 
Washington está “ciente” do relatório de Albanese, mas “não tem motivos para acreditar que Israel tenha cometido atos de genocídio em Gaza”, disse um funcionário dos EUA à agência de notícias AFP.

No mês passado, Israel negou visto a Albanese depois que ela fez comentários negando que o ataque de 7 de outubro do Hamas, que desencadeou a guerra em Gaza, tenha sido antissemita.

O relatório teve apresentação agendada para esta terça-feira no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O documento de 25 páginas publicado nesta segunda conclui, após analisar os padrões de violência e as políticas de Israel em seu ataque a Gaza, que Israel comete intencionalmente ao menos três “atos genocidas” definidos como tal pela Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio de 1948.

Estas seriam o “assassinato de membros de um grupo”, com mais de 30 mil palestinos mortos em cinco meses de conflito, “graves danos físicos ou mentais a membros de um grupo”, e “causar em um grupo deliberadamente condições calculadas para sua destruição física parcial ou completa”.

Os danos físicos e mentais graves seriam comprovados, entre outras provas, pelos mais de 70 mil palestinos feridos no conflito, ou por causarem deliberadamente uma escassez de material médico que, nos casos mais dramáticos, forçou a realização de amputações sem anestesia.

A geração de condições de vida para a “destruição física” dos palestinos, defende o relatório de Albanese, ficaria comprovada com a destruição de 77% das instalações sanitárias do enclave, 68% da infraestrutura de telecomunicações e 60% das habitações e centros educativos, incluindo todas as universidades.


 
Lógica “genocida” e projeto colonial

“De forma mais ampla, as ações de Israel são impulsionadas por uma lógica genocida essencial ao seu projeto colonial na Palestina”, destaca o relatório, que recorda também a existência de “práticas que visam a limpeza étnica dos palestinos” no período 1947-1949 e em 1967.

A natureza deliberada das ações israelenses que poderiam constituir genocídio nos cinco meses de conflito é comprovada, segundo o relatório, por acontecimentos como a retórica de altos funcionários israelenses, muitas vezes repetida por líderes religiosos, jornalistas, artistas, comentaristas políticos e outros atores.

Neste sentido, o relatório cita declarações como a do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, referindo-se aos palestinos como “monstros”, do presidente Isaac Herzog culpando toda a nação palestina pelos ataques terroristas de 7 de outubro do ano passado, ou do ministro da Defesa, Yoav Gallant, chamando o povo da Palestina de “animais humanos”.

“Os apelos a uma violência aniquiladora são dirigidos às tropas em serviço, fornecendo provas claras de incitamento direto e público ao cometimento de genocídio”, destaca o relatório. O documento também condena o uso de “camuflagem humanitária” por parte de Israel para cometer estes abusos com supostas justificativas no direito humanitário internacional para fornecer uma base para sua ofensiva em Gaza.

Francesca Albanese dá como exemplos o argumento israelense de que o Hamas utiliza toda a população de Gaza como escudo humano, sua estratégia de ligar todos os tipos de instalações a esse grupo armado (incluindo hospitais, mesquitas, escolas e edifícios da ONU) ou considerar toda a faixa como um todo um “objetivo militar”.

O relatório inclui dados como os de que, em cinco meses de campanha militar, Israel utilizou 25 mil toneladas de explosivos contra Gaza, o equivalente a duas bombas nucleares.

Embargo de armas

À luz das suas conclusões, o relatório solicitará ao Conselho dos Direitos Humanos um embargo imediato de armas a Israel e o avanço no sentido de uma investigação independente das violações dos direitos humanos em Gaza.

Também apela a medidas para garantir a reparação da Faixa de Gaza, incluindo o pagamento integral por parte de Israel e “Estados cúmplices” da reconstrução de Gaza, e a implantação de uma “presença protetora internacional” naquele território palestino para evitar a continuação da violência contra a população.

O relatório é publicado exatamente dois meses após a Corte Internacional de Justiça (CIJ), o tribunal da ONU, em Haia, ter pedido a Israel, em uma decisão preliminar, que tomasse todas as medidas necessárias para evitar um genocídio em Gaza, embora ainda não tenha determinado se tal genocídio existe ou não no enclave, já que tal conclusão poderia levar anos de processo. (Com DW e agências internacionais)